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Mecânica Quântica – Introdução II

Como vimos no artigo Mecânica Quântica – Introdução uma série de resultados experimentais inesperados e em franco desacordo com a vigente toeria clássica forçou os físicos do final do séc. {XIX} e princípio do séc. {XX} a repensarem os princípios e axiomas das teorias física que até então tinham utilizado. Para além disso foi também bastante aparente que o formalismo matemático utilizado até então era desajustado à descrição dos fenómenos que se apresentavam. O objectivo deste artigo é fazer uma introdução a estes novos princípios e concepções.

— 20.5. Observação e medição em Mecânica Quântica —

Já vimos que no domínio de validade da Mecânica Quântica devemos sempre tomar em conta as possibilidades reais de medição dos sistemas em estudo. Neste campo devemos ter em atenção duas características importantes. Por um lado o sistema responsável por executar o acto de medição é na maior parte das vezes um sistemas descrito pelas habituais leis clássicas da Física. Por outro lado o sistema em estudo é regido pelas leis da Mecânica Quântica e é da interacção entre o sistema de medição e o sistema em estudo que resulta o nosso conhecimento sobre o mundo quântico.

Assim sendo para sistematizarmos os resultados experimentais numa teoria coerente necessitamos de tecer considerações gerais sobre as propriedades dos sistemas em estudo que resultam do estudo das interacções citadas acima. O sucesso ou fracasso da teoria por nós construida será então medido pelo acerto das nossas previsões teóricas quando confrontadas com resultados experimentais.

Recorrendo novamente ao tema das medições em mecânica quântica é fácil deduzirmos desde já algumas entidades matemáticas que terão que forçosamente fazer parte da nossa teoria Física:

  1. Operadores: Pelo que vimos atrás uma medição permite-nos discernir o valor de uma grande física e podemos sempre realizar as operações de medição de uma uma forma sequencial. Sabemos também que o próprio acto de medição perturba de forma imprevisível o sistema em estudo. Imaginemos então que vamos realizar duas medições que vamos representar pelos símbolos {A} e {B}. Vamos agora pensar que qual será o resultado de realizarmos em primeiro lugar a medição {A} e em segundo lugar a medição {B}. Podemos representar tal como sendo {BA}. Por outro lado podemos tomar a via inversa e em primeiro lugar medir {B} e depois medir {A}, que vamos representar por {AB}.

    Visto que cada medição perturba o sistema de uma forma imprevisível sabemos que em geral não teremos {AB=BA}. Em primeiro lugar temos que dizer que tal acto está em total desacordo com a Mecânica Clássica onde temos sempre {AB=BA}. Em segundo lugar temos que discernir qual é o objecto matemático que nos permite representar as grandezas físicas para que possamos ter {AB \neq BA}.

    Tal desigualdade é perfeitamente possível quando usamos operadores em vez de utilizarmos números reais . Para além disso vimos também que para as experiências realizadas era sempre válido o Princípio de Sobreposição. Assim sendo os operadores que vamos utilizar serão operadores lineares.

  2. Probabilidades: como já foi visto o resultado das medições é imprevisível. Ora isto indica que a teoria quântica irá utilizar de forma extensiva o formalismo de probabilidades e estatística.

  3. Funções de estado: Já vimos que vamos utilizar operadores para representar o acto de medição. Sabemos também da matemática que os operadores agem sobre funções. Por último já vimos que o acto de medição perturba o estado físico de um dado sistema. Assim sendo vemos que é necessário a introdução de funções que descrevam o estado físico de um sistema. Estas funções são chamadas de funções de estado (ou ainda funções de onda).

— 21. Algumas experiências fundamentais —

Antes de apresentarmos de uma forma sistemática as definições iniciais e os axiomas com que vamos construir a Mecânica Quântica pretendemos apresentar um conjunto de experiências que tornam plausíveis a introdução destas novas definições e axiomas.

— 21.1. Existência e estabilidade dos átomos —

De acordo com a teoria clássica do Electromagnetismo uma carga eléctrica que descrevesse um movimento acelerado deveria perder energia sobre a forma de radiação electromagnética. Uma vez que o electrão descreve um movimento curvilíneo em torno do núcleo ele deveria emitir radiação diminuindo a sua distância ao núcleo num processo contínuo até que embatesse no núcleo. Se tal acontece os átomos não seriam estáveis.

No entanto o que nós observamos é que os electrões não podem ocupar uma distância qualquer face ao núcleo estando limitados a distâncias definidas sendo que só podiam transitar de uma distância para outra distância emitindo ou absorvendo um quantum de energia electromagnética.

Empiricamente foi determinado por Balmer que a fórmula que descreve a energia de transição entre diferentes níveis atómicos é

\displaystyle  E_{nm}\propto \left( \frac{1}{n^2}-\frac{1}{m^2} \right)

Sendo que a energia é positiva quando o electrão absorve energia e transita para um nível de energia mais elevado e é negativa quando o electrão emite energia e transita para um nível de energia mais baixo.

Por forma a explicar a estabilidade dos átomos no contexto da Teoria Quântica Inicial temos os postulados de BohrSommerfeld:

  1. As trajectórias permitidas aos electrões em torno do núcleo de um átomo são discretas.
  2. Nestas trajectórias os invariantes adiabáticos são quantizados.

    \displaystyle  \oint \vec{p}\cdot d\vec{r}=2\pi\hbar n

  3. Uma transição de um electrão de um nível de energia para outro nível de energia só pode ocorrer se o fotão absorvido ou emitido tiver uma energia igual à diferença de energia entre os níveis.

— 21.2. Efeito Fotoeléctrico —

Como já foi dito Einstein foi capaz de demonstrar que a variação de entropia de um corpo negro era análoga á variação de entropia de um gás ideal composto por partículas independentes. Deste modo é perfeitamente natural concluir que a energia associada à luz é composta por pacotes de energia e não só que é emitida e absorvida em pacotes de energia discretos como tinha assumido Planck aquando da sua derivação para a equação de distribuição de energia de um corpo negro.

Ora esta conclusão de Einstein permitia explicar de uma forma muito elegante o efeito fotoeléctrico. Sabemos que Hertz estabeleceu que placas metálicas quando iluminadas por luz ultravioleta emitiam cargas eléctricas negativas. Posteriormente J.J. Thomson demonstrou que as partículas carregadas negativamente eram electrões.

Finalmente temos Lenard que através de várias experiências conseguiu descobrir um conjunto de factos experimentais muito importantes sobre os electrões emitidos através do efeito foto-eléctrico. Ele descobriu que os electrões eram emitidos com um conjunto contínuo de valores possíveis para a energia cinética e que a energia cinética máxima, {K_{\mathrm{max}}}, dos electrões não dependia da intensidade da luz. Lenard foi também capaz de discernir que a energia cinética máxima era directamente proporcional à frequência da luz. Finalmente para cada material estudado havia uma frequência mínima abaixo da qual não se observava a libertação de electrões. Finalmente Lenard observou também que o intervalo de tempo entre a radiação da placa metálica com a luz e o início de medição de uma corrente é muito inferior às previsões clássicas.

Do ponto de vista da teoria electromagnética que via a luz como sendo uma onda que se propagava tais resultados experimentais não faziam sentido. No entanto Einstein tomou como ponto de partida os seguintes factos:

  1. A luz é constituída por corpúsculos
  2. A energia de cada corpúsculo depende da frequência da luz (conceito este que é inerentemente ondulatório) através da seguinte relação

    \displaystyle E=\hbar\omega

Se tomarmos como hipótese o facto de que os electrões estão ligados à placa por uma energia de ligação e que para vencer essa energia de ligação a energia do fotão que incide tem que ser superior à energia de ligação, {W} também chamada de função de trabalho, (na linguagem do átomo de Bohr-Sommerfeld dizemos que o electrão transita para {m=+\infty}) do electrão ao material imediatamente entendemos que no contexto em que a luz é composta por corpúsculos a explicação dos três factos citados é imediata.

Em primeiro lugar percebemos logo porque não há libertação de electrões quando a frequência está abaixo de um determinado valor. Em segundo lugar entendemos também que uma vez que a libertação de um electrão se dá devido a um choque com um fotão e não à absorção de radiação que se consiga medir imediatamente a corrente eléctrica desde que a frequência seja suficientemente alta.

Resumindo a equação que explica o efeito fotoeléctrico segundo Einstein é

\displaystyle K=\hbar\omega-W

— 21.3. Experiência de Stern-Gerlach —

Após discutirmos de forma breve os resultados experimentais anteriores vamos agora olhar para a experiência de SternGerlach. Esta experiência foi realizada em 1922 e de certa forma é a experiência mais simples que podemos fazer e que mais nos revela sobre o que é a Mecânica Quântica.

Na experiência original átomos de prata eram aquecidos dentro de um forno para que a sua distribuição de momentos magnéticos fosse aleatória. Após isso as partículas eram expelidas do forno sendo sujeitadas a um colimador para que tivessem a mesma direcção {z}. Após passarem pelo colimador as partículas eram sujeitadas a um campo magnético não homogéneo. A interacção com este campo electromagnético não homogéneo fazia com que aparecesse uma força resultante não nula que interagia com o momento magnético dos átomos de prata de tal forma que cada átomo sofreria uma deflexão. Finalmente as partículas deflectidas atingiam um alvo e a sua posição final era determinada.

De acordo com a teoria clássica estamos a espera que os átomos de prata tenham uma distribuição perfeitamente aleatória dos seus momentos magnéticos após saírem do forno. Assim sendo esperamos que os momentos magnéticos tenham valores desde o perfeito alinhamento com a força magnética resultante até ao perfeito anti-alinhamento com a força magnética. Se isto fosse verdade veríamos que no alvo final os átomos estariam distribuídos ao longo de uma mancha:

No entanto a Natureza tem uma surpresa para nós e o resultado observado é

Ao invés de observarmos uma distribuição contínua vemos que os átomos estão dispostos em duas manchas, como se os únicos valores permitidos para os seus momentos magnéticos fossem estar paralelos ao campo magnético não homogéneo ou então serem anti-paralelos ao campo magnético não homogéneo.

— 21.3.1. Análise matemática à experiência de Stern-Gerlach —

Após a discussão qualitativa da secção anterior à experiência de Stern-Gerlach vamos agora fazer uma análise mais quantitativa.

Um átomo de prata é constituído por um núcleo de protões e neutrões e {47} electrões. Destes electrões sabemos que {46} formam uma nuvem electrónica esfericamente simétrica com um momento angular globalmente nulo.

Assim sendo o momento angular total de um átomo de prata deve-se ao spin do último electrão, que vamos representar por {S} (nesta discussão podemos desprezar o spin do núcleo). Deste modo podemos dizer que o momento magnético do átomo, que vamos representar por {\mu}, se deve ao momento magnético do spin do electrão isolado:

\displaystyle  \mu \propto S

Sabemos que a energia de interacção do momento magnético com o campo magnético {B} é

\displaystyle  -\mu \cdot B

Uma vez que as partículas se deslocam ao longo do eixo {z} a componente da força segundo esse eixo é

\displaystyle  F_z=\frac{\partial}{\partial z}(-\mu \cdot B)\approx \mu _z \frac{\partial B_z}{\partial z}

De acordo com o aparato experimental que discutimos a experiência de Stern-Gerlach mede a componente {z} de {\mu}, ou, dito de forma perfeitamente equivalente, mede a componente {z} de {S} a menos de uma factor de proporcionalidade.

Vemos então que na perspectiva clássica estaríamos a espera de ver que os valores de {\mu _z} distribuídos entre {-|\mu|} e {|\mu|}, o que é a banda contínua que vemos na primeira figura.

No entanto o que observamos é que os valores tomados pelos átomos de prata somente podem ser {-|\mu|} e {|\mu|} (fenómeno chamado de quantização do espaço na Primeira Teoria Quântica). Visto que {\mu} pode ser identificado com {S} a menos de uma factor de proporcionalidade isto quer dizer que o spin de um electrão {S} só pode tomar dois valores distintos para a sua componente {z}.

Claro que o facto de termos escolhido o eixo {z} nada tem de especial e como tal podíamos ter escolhido {x} ou {y} como sendo a direcção de propagação dos átomos. Assim sendo podíamos ter analisado as componentes {S_x} ou {S_y} do spin do electrão e ter chegado à conclusão que a interacção com o campo magnético separaria as componentes em análise em somente duas opções.

Assim sendo a experiência de Stern-Gerlach permite-nos deduzir uma propriedade muito importante do spin do electrão:

O spin do electrão é uma grandeza quantizada.

— 21.3.2. Experiências de Stern-Gerlach sequenciais —

De forma a podermos ganhar mais conhecimento sobre os fenómenos quânticos vamos agora analisar o que acontece a um feixe de átomos após ser sujeito a passar por várias experiências de Stern-Gerlach (ESG) que estão dispostas de forma sequencial.

Vamos supor que após realizarmos a primeira ESG utilizamos uma barreira que não permite a passagem de átomos que estejam no estado {S_{z^-}}. Assim sendo, se realizarmos uma segunda ESG no feixe de átomos resultante segundo o eixo {z} estamos à espera de somente observar {S_{z^+}}. E o resultado experimental é:

o que confirma a nossa suspeita.

Queremos agora analisar o que acontece quando fazemos duas ESG sequenciais mas sendo que elas dizem respeito a leitura do spin do electrão segundo eixos diferentes. Em primeiro lugar vamos fazer o feixe do de átomos passar por uma ESG segundo o eixo {z} para depois passar por uma ESG segundo o eixo {x}. Neste caso assumimos que os eixos {x} e {z} são independentes entre si e como tal esperamos encontrar {S_{x^+}} e {S_{x^-}}, sendo que ambas as hipóteses são equiprováveis. Após realizarmos a experiência é este o resultado:

Para terminar vamos alisar o que acontece após realizarmos {3} ESG sequenciais. As duas primeiras ESG são as que realizámos no exemplo anterior com o pormenor adicional que desta vez bloqueamos a componente {S_{x^+}} após a segunda ESG. Uma vez que tínhamos inicialmente bloqueado a componente {S_{z^-}} estamos a espera do só encontrarmos {S_{z^+}} após a terceira ESG.

No entanto é isto o que a Natureza nos reserva:

Este resultado é totalmente surpreendente. Como podemos nós estar novamente a observar {S_{z^-}}?!

Segundo parece a Mecânica Quântica está a dizer-nos que não podemos determinar {S_z} e {S_x} simultaneamente (à semelhança de não podermos determinar simultaneamente a posição e momento linear de uma partícula), pois o facto de termos determinado de forma absoluta qual a componente de {S_x} destruiu a informação que tínhamos sobre {S_z}.

É claro nos exemplos apresentados que a situação retratada não se deve à limitações experimentais e é sim uma característica fundamental da Mecânica Quântica.

Para além disso podemos também ver com estas experiências que nunca somos capazes de determinar exactamente qual será a componente de {S_z} que vamos observar para um átomo individual. O que podemos sim é determinar que cada componente tem uma probabilidade de {50 \%} de ser medida.


1 Comentário

  1. […] final do artigo anterior vimos o papel fundamental que os conceitos de probabilidades e estatística têm na construção e […]

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