Luso Academia

Início » 04 Ensino Superior » 02 Física » 09 Cálculo I

Category Archives: 09 Cálculo I

Cálculo I – Generalização às séries de algumas propriedades das somas finitas II

Recordando o Teorema 77 vamos agora introduzir a noção de resto de uma série.

Definição 50 Seja {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} u_n} convergente. Para cada {m>p} a série {\displaystyle \sum_{n=m+1}^{+\infty} u_n} também converge. Podemos então definir:

\displaystyle   r_m=\sum_{n=m+1}^{+\infty} u_n \ \ \ \ \ (80)

como sendo o resto de ordem {m} da série {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} u_n}

Como

\displaystyle  \sum_{n=p}^{+\infty} u_n=\sum_{n=p}^m u_n + \sum_{n=m+1}^{+\infty} u_n

vem que

\displaystyle  \sum_{n=p}^{+\infty} u_n=\sum_{n=p}^m u_n + r_m

Assim é

\displaystyle  r_m =\sum_{n=p}^{+\infty} u_n - \sum_{n=p}^m u_n

Fazendo {m \rightarrow +\infty} vem que {\displaystyle \lim r_m=\sum_{n=p}^{+\infty} u_n- \sum_{n=p}^{+\infty} u_n=0 }

Usando métodos apropriados podemos ainda enquadrar o resto de ordem {m}.

\displaystyle  \zeta^-_m < r_m < \zeta^+_m

Fazendo

\displaystyle  r_m \approx \frac{\zeta^+_m+\zeta^-_m}{2}

Podemos definir

\displaystyle  \varepsilon _m=r_m - \frac{\zeta^+_m+\zeta^-_m}{2}

vem que

\displaystyle  \varepsilon _m < \zeta^+_m-\frac{\zeta^+_m+\zeta^-_m}{2}=\frac{\zeta^+_m - \zeta^-_m}{2}

e

\displaystyle  \varepsilon _m > \zeta^-_m-\frac{\zeta^+_m+\zeta^-_m}{2}=\frac{\zeta^-_m - \zeta^+_m}{2}=- \frac{\zeta^+_m - \zeta^-_m}{2}

Assim

\displaystyle  - \frac{\zeta^+_m - \zeta^-_m}{2} < \varepsilon _m < \frac{\zeta^+_m - \zeta^-_m}{2}

Ou seja

\displaystyle  |\varepsilon _m| < \frac{\zeta^+_m - \zeta^-_m}{2}

Temos assim

\displaystyle  r_m=\frac{\zeta^+_m - \zeta^-_m}{2}+ \varepsilon _m

com

\displaystyle  |\varepsilon _m| < \frac{\zeta^+_m - \zeta^-_m}{2}

e portanto

\displaystyle  \sum_{n=p}^{+\infty} u_n= \sum_{n=p}^m u_n + \frac{\zeta^+_m - \zeta^-_m}{2} + \varepsilon _m

Teorema 78

Uma série de termo geral não negativo converge sse a respectiva sucessão das séries parciais for majorada.

Demonstração:

Seja {\displaystyle\sum_{n=p}^{+\infty} u_n} onde {u_n \geq 0\, \forall n \geq p} e seja {S_m} a respectiva sucessão das somas parciais.

Por definição é

\displaystyle  S_m=\sum_{n=p}^m u_n

Logo

\displaystyle  S_{m+1}-S_m = \sum_{n=p}^{m+1} u_n - \sum_{n=p}^m u_n = u_{m+1} \geq 0

Assim {S_m} é crescente.Se {S_m} converge, {S_m} é limitada (Teorema 13), logo é majorada.

Reciprocamente, se {S_m} é majorada, como é crescente sabemos também que é minorada também é minorada. Logo é limitada.

Então {S_m} converge pelo Teorema da Sucessão Monótona (20).

Assim {S_m} converge sse {S_m} for majorada.

Mas {\displaystyle\sum_{n=p}^{+\infty} u_n} converge sse {S_m} converge.

Assim {\displaystyle\sum_{n=p}^{+\infty} u_n} converge sse {S_m} tem majorante.

\Box

Ainda que o teorema anterior seja um teorema bastante útil convém notar que não providencia em si próprio um critério de convergência.

Teorema 79 {Critério da Comparação}

Sejam {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} u_n} e {\displaystyle\sum_{n=p}^{+\infty} v_n} duas séries de termos gerais não negativos. Se {u_n = O(v_n)}

\displaystyle   \sum_{n=p}^{+\infty} v_n \quad \mathrm{converge}\Rightarrow \sum_{n=p}^{+\infty} u_n \quad \mathrm{converge} \ \ \ \ \ (81)

\displaystyle   \sum_{n=p}^{+\infty} u_n \quad \mathrm{diverge}\Rightarrow \sum_{n=p}^{+\infty} v_n \quad \mathrm{diverge} \ \ \ \ \ (82)

Demonstração:

Como 82 é o contra-recíproco de 81 vamos somente provar a equação 81.

Suponha-se {v_n} convergente. Como {u_n= O(v_n)} existe uma sucessão {h_n} limitada e um índice {k} tais que {u_n=h_n v_n \quad \forall n\geq k}.

Sendo então {L} um majorante de {h_n} vem que

\displaystyle   u_n \leq L v_n \ \ \ \ \ (83)

Por outro lado como

\displaystyle  \sum_{n=k}^{+\infty} v_n \leftrightarrow \sum_{n=p}^{+\infty} v_n

vem que {v_n} converge. Pelo Teorema 78 {v_n} tem as somas parciais majoradas. Assim {\exists n \geq 0 } tal que {\displaystyle\sum_{n=k}^m v_n \leq M\, \forall n \geq k} .

De 83 vem então

\displaystyle  \sum_{n=k}^m u_n \leq \sum_{n=k}^m L v_n= L\sum_{n=k}^m v_n \leq LM \quad \forall n \geq k

Assim a série {\displaystyle \sum_{n=k}^{+ \infty} u_n } também as somas parciais majoradas, logo é convergente (Teorema 78).

Como

\displaystyle  \sum_{n=p}^{+ \infty} u_n \leftrightarrow \sum_{n=k}^{+ \infty} u_n

(Teorema 76) vem que {\displaystyle\sum_{n=p}^{+ \infty} u_n} converge.

\Box

Corolário 80

Nas condições do teorema anterior, se existe uma ordem {k} tal que {u_n \leq v_n \quad \forall n \geq k} então

\displaystyle   \sum_{n=p}^{+\infty} v_n \quad \mathrm{converge}\Rightarrow \sum_{n=p}^{+\infty} u_n \quad \mathrm{converge} \ \ \ \ \ (84)

\displaystyle   \sum_{n=p}^{+\infty} u_n \quad \mathrm{diverge}\Rightarrow \sum_{n=p}^{+\infty} v_n \quad \mathrm{diverge} \ \ \ \ \ (85)

Demonstração: Fica como um exercício para o leitor. \Box

Corolário 81

Nas condições do teorema anterior, se

\displaystyle  \lim \frac{u_n}{v_n} \in ]0, + \infty[

então

\displaystyle   \sum_{n=p}^{+\infty} u_n \leftrightarrow \sum_{n=p}^{+\infty} v_n \ \ \ \ \ (86)

Demonstração: Fica como um exercício para o leitor. \Box

Corolário 82

Nas condições do teorema anterior, se

\displaystyle  u_n \sim v_n

então

\displaystyle   \sum_{n=p}^{+\infty} u_n \leftrightarrow \sum_{n=p}^{+\infty} v_n \ \ \ \ \ (87)

Demonstração: Fica como um exercício para o leitor. \Box

Podemos então resumir o resultado anterior com o seguinte:

Em séries de termos gerais não negativos podemos substituir o termo geral por outro assimptoticamente igual sem alterar a natureza da série.

Cálculo I – Generalização às séries de algumas propriedades das somas finitas

— 8.2. Generalização às séries de algumas propriedades das somas finitas —

Teorema 73 Se {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} u_n} converge e {\alpha \in \mathbb{R}}, então também {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} \alpha u_n} converge e tem-se

\displaystyle   \sum_{n=p}^{+\infty} \alpha u_n = \alpha \sum_{n=p}^{+\infty} u_n \ \ \ \ \ (76)

Demonstração: Temos efectivamente

{\begin{aligned} \displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} \alpha u_n &= \lim_{m \rightarrow +\infty}\sum_{n=p}^m \alpha u_n \\ &= \lim_{m \rightarrow +\infty} \alpha \sum_{n=p}^m u_n \\ &= \alpha \lim_{m \rightarrow +\infty} \sum_{n=p}^m u_n \\ &= \alpha \sum_{n=p}^{+\infty} u_n \end{aligned}}

\Box

Corolário 74

Se {\alpha \neq 0} as séries {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} u_n} e {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} \alpha u_n} têm a mesma natureza.

Demonstração: Se {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} \alpha u_n} é convergente vem, pelo Teorema 73, que a série {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} \alpha u_n} também é convergente.

Reciprocamente, suponha-se que {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} \alpha u_n} é convergente. Então, pelo pelo Teorema 73, {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} \frac{1}{\alpha}\alpha u_n} também é convergente. Ou seja, {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} u_n} é convergente \Box

Para simplificação de linguagem vamos introduzir o símbolo {\leftrightarrow } como sendo equivalente à expressão “têm a mesma natureza”.

Assim quando escrevermos {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty}\dfrac{5}{n} \leftrightarrow \sum_{n=p}^{+\infty}\dfrac{1}{n}} queremos dizer que as séries {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty}\dfrac{5}{n}} e {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty}\dfrac{1}{n}} têm a mesma natureza.

Teorema 75 Se {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} u_n} e {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} v_n} são ambas convergentes então também {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} (u_n+v_n)} é convergente e tem-se

\displaystyle   \sum_{n=p}^{+\infty} (u_n+v_n)=\sum_{n=p}^{+\infty} u_n+ \sum_{n=p}^{+\infty} v_n \ \ \ \ \ (77)

Demonstração: {\begin{aligned} \displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} (u_n+v_n) &= \lim_{m \rightarrow +\infty}\sum_{n=p}^m(u_n+v_n) \\ &= \lim_{m \rightarrow +\infty} \left( \sum_{n=p}^m u_n+ \sum_{n=p}^m v_n \right) \\ &=\lim_{m \rightarrow +\infty}\sum_{n=p}^m u_n+ \lim_{m \rightarrow +\infty}\sum_{n=p}^m v_n \\ &= \sum_{n=p}^{+\infty} u_n+ \sum_{n=p}^{+\infty} v_n \end{aligned}} \Box

Teorema 76 {Teorema da Mudança de Índice de Série} As séries {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} u_n} e {\displaystyle \sum_{n=0}^{+\infty} u_{n+p}} têm a mesma natureza e em caso de convergência a mesma soma.

\displaystyle   \sum_{n=p}^{+\infty} u_n = \sum_{n=0}^{+\infty} u_{n+p} \ \ \ \ \ (78)

Demonstração: Fica como um exercício para o leitor. \Box

Como aplicação do teorema anterior vamos calcular

\displaystyle  \sum_{n=p}^{+\infty} r^n

Onde temos que {|r|<1}.

Temos então

{\begin{aligned} \sum_{n=p}^{+\infty} r^n &= \sum_{n=0}^{+\infty} r^{n+p} \\ &= \sum_{n=0}^{+\infty} r^n\cdot r^p \\ &= r^p \sum_{n=0}^{+\infty} r^n \\ &= r^p \dfrac{1}{1-r} \end{aligned}}

Assim fica

\displaystyle  \sum_{n=p}^{+\infty} r^n=\frac{r^p}{1-p} \quad |r|<1

Teorema 77 Dada uma série {\sum_{n=p}^{+\infty} u_n}, um índice {k>p}, as séries {\sum_{n=p}^{+\infty} u_n} e {\sum_{n=k}^{+\infty} u_n} têm a mesma natureza, e em caso de convergência é válido

\displaystyle   \sum_{n=p}^{+\infty} u_n= \sum_{n=p}^{k-1} u_n+\sum_{n=k}^{+\infty} u_n \ \ \ \ \ (79)

Demonstração: Vamos apenas apresentar a ideia da demonstração e deixamos para o leitor a sua correcta formalização.

Sugerimos ao leitor começar a partir da identidade:

\displaystyle  \sum_{n=p}^m u_n= \sum_{n=p}^{k-1} u_n+\sum_{n=k}^m u_n

e tomar o limite {m \rightarrow +\infty} \Box

Utilizando a estenografia introduzida anteriormente podemos escrever:

\displaystyle  \sum_{n=k}^{+\infty} \leftrightarrow \sum_{n=p}^{+\infty} \quad \forall k>p

Podemos então dizer o seguinte:

A natureza de uma série não depende do valor do índice onde começa a série.

Cálculo I – Somas de Mengoli

— 8.1. Somas de Mengoli —

Nesta subsecção vamos introduzir as somas de Mengoli, também chamadas de somas telecópicas.

{\begin{aligned} \displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty}(v_n-v_{n+1}) &= \lim_{m \rightarrow +\infty}\sum_{n=p}^{m}(v_n-v_{n+1}) \\ &= \lim_{m \rightarrow +\infty}(v_p-v_{m+1})\\ &= v_p-\lim v_{m+1} \\ &=v_p -\lim v_n \end{aligned}}

Assim sendo,

\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty}(v_n-v_{n+1})

converge sse a sucessão {v_n} é convergente e temos

\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty}(v_n-v_{n+1})=v_p -\lim v_n

Exemplo 4

\displaystyle \sum_{n=1}^{+\infty}\frac{1}{n(n+1)} \ \ \ \ \ (74)

 

Ora para a equação 74 é válido a seguinte igualdade:

\displaystyle \sum_{n=1}^{+\infty}\frac{1}{n(n+1)}= \sum_{n=1}^{+\infty}\left( \frac{1}{n}-\frac{1}{n+1} \right)

Assim fica

{\begin{aligned} \displaystyle \sum_{n=1}^{+\infty}\frac{1}{n(n+1)} &= \sum_{n=1}^{+\infty}\left( \frac{1}{n}-\frac{1}{n+1} \right) \\ &= \dfrac{1}{1}-\lim\dfrac{1}{n}\\ &=1 \end{aligned}}

Ou seja, o que nós temos é

\displaystyle \sum_{n=1}^{+\infty}\frac{1}{n(n+1)}=\frac{1}{1\times 2}+\frac{1}{2\times 3}+\frac{1}{3\times 4}+\cdots =1

Exemplo 5

Vamos agora olhar para outro exemplo de uma série de Mengoli

\displaystyle \sum_{n=2}^{+\infty}\log \left( 1-\frac{1}{n} \right) \ \ \ \ \ (75)

 

Podemos reescrever a equação 75 da seguinte forma:

{\begin{aligned} \sum_{n=2}^{+\infty}\log \left( 1-\frac{1}{n} \right) &= \sum_{n=2}^{+\infty}\log \left( \frac{n}{n}-\frac{1}{n} \right) \\ &= \sum_{n=2}^{+\infty}\log \left( \frac{n-1}{n} \right) \\ &=\sum_{n=2}^{+\infty}\left( \log (n-1)- \log n \right) \end{aligned}}

que é uma série de Mengoli divergente.

Em geral é muito difícil achar o valor de uma série. É então preciso construirmos métodos que nos possibilitem obter conhecimento sobre a natureza de uma série mesmo que não sejamos capazes de calcular o seu valor.

Vamos então começar a construir uma teoria que nos permita obter conhecimento sobre uma série sem ser necessário efectuar cálculos.

Teorema 71

Se {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} u_n} é convergente então {\lim u_n=0}

Demonstração:

Seja {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} u_n} convergente e seja {a \in \mathbb{R}} a sua soma.

Pondo {S_m=sum_{n=p}^m u_n} {\forall m \geq p} temos então {\lim S_m =a}.

Assim também é {\lim S_{m-1}=a}. Logo {\lim (S_m-S_{m-1})=0}

Ou seja

\displaystyle \lim \left( \sum_{n=p}^m u_n - \sum_{n=p}^{m-1} u_n =0\right)

E portanto {\lim u_n=0}

\Box

Corolário 72

Se {\lim u_n \neq 0}, a série {\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} u_n} é divergente.

Demonstração: É o contra-recíproco do Teorema 71 \Box

Tomemos

\displaystyle \sum_{n=0}^{+\infty}r^n

Se {|r|\geq 1}, {|r^n|=|r|^n}. Ora {|r|^n} não tende para {0}. Logo {r^n} também não tende para {0}. Assim {\displaystyle \sum_{n=0}^{+\infty}r^n } diverge.

 

Cálculo I – Introdução às Séries Numéricas

— 8. Introdução às Séries Numéricas —

Tomemos os termos de uma sucessão {u_n} onde {n \geq p} para um certo {p}. Ou seja temos {u_p}, {u_{p+1}}, , {u_{p+2}}, …, , {u_n},…

Uma questão que podemos colocar de forma bastante natural é qual é o resultado da soma destes termos:

\displaystyle u_p+ u_{p+1}+ u_{p+2}+ \cdots + u_n+ \cdots =\sum_{n=p}^{+\infty} u_n

A soma que contém um número infinito de termos acima definida tem o nome de: série de termo geral {u_n}.

Seja {m \geq p}.

{\displaystyle \sum_{n=p}^m u_n = u_p+ u_{p+1}+\cdots + u_m}

Tomando o limite

\displaystyle \lim_{n \rightarrow +\infty} \sum_{n=p}^m u_n

podemos definir de forma matematicamente rigorosa o valor da soma da série.

\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} u_n =\lim_{m \rightarrow +\infty} \sum_{n=p}^m u_n

Podemos ainda definir a sucessão das somas parciais de uma série, {S_m}

\displaystyle S_m=\sum_{n=p}^m u_n

e escrever

\displaystyle \sum_{n=p}^{+\infty} u_n =\lim_{m \rightarrow +\infty} S_m

Dizemos que a série converge se e só se {S_m} é convergente.

Após estas definições iniciais referentes à séries numéricas vamos olhar para um dos paradoxos de Zenão como motivação para a introdução da teoria das séries numéricas.

Imaginemos que temos um corpo que vai percorrer uma distância de 2 metros tendo uma velocidade constante de {1 m/s}.

Se alguém nos perguntar qual será o intervalo de tempo necessário para percorrer uma distância de 2 metros tendo uma velocidade de 1 {m/s} não precisamos de ser grandes físicos para responder que o tempo total será de 2 segundos.

No entanto sabemos que o corpo em questão antes de percorrer a totalidade do seu percurso terá que percorrer antes de mais a sua metade. E antes de percorrera metade terá que percorrer a metade da metade. E assim sucessivamente. A expressão que permitirá expressar a soma dos intervalos de tempo referentes às distâncias parciais face à distância total é:

\displaystyle T=1+\frac{1}{2}+\frac{1}{4}+\frac{1}{8}+\frac{1}{16}+\cdots +\frac{1}{2^n}+\cdots

Na altura em que este paradoxo foi proposto a teoria matemática não era tão avançada como é hoje em dia e questão de qual seria o resultado desta soma era também uma questão de debate filosófico.

Assim sendo a resposta a esta questão tinha duas possibilidades.

Por um lado, Zenão argumenta que o resultado da soma {\displaystyle \sum_{k=0}^{+\infty}\frac{1}{2^n}} era infinito pois estávamos a somar um número infinito de parcelas que são sempre maior do que {0}, e por outro lado toda a gente sabia que do ponto de vista experimental a resposta deveria ser {2 \, s}.

É precisamente esta tensão entre as duas respostas que dá o nome a este argumento de um paradoxo. Por um lado nós sabemos qual é a resposta correcta, mas não somos capazes de providenciar um argumento que a justifique de uma forma matematicamente rigorosa.

Definição 49 Uma série geométrica de razão {r} é definida através da seguinte expressão:

\displaystyle \sum_{n=0}^{+\infty} r^n \ \ \ \ \ (73)

Para as series geométricas é válido o seguinte:

{\begin{aligned} \displaystyle \sum_{n=0}^{+\infty} r^n &= \lim_{m \rightarrow \infty} \sum_{n=0}^m r^n \\ &= \lim_{m \rightarrow \infty} \dfrac{1- r^{m+1}}{1-r} \end{aligned}}

Se {|r|<1} vem que {r^{m+1}\rightarrow 0} quando {m \rightarrow +\infty}.

Assim vem que

\displaystyle \lim_{m \rightarrow \infty} \frac{1- r^{m+1}}{1-r}= \frac{1}{1-r}

Assim podemos escrever com todo o rigor matemático

\displaystyle \sum_{n=0}^{+\infty} r^n= \frac{1}{1-r}

Caso se tenha {|r|>1} a série diverge.

Voltando então ao paradoxo de Zenão e utilizando este simples resultado derivado por nós vem que:

{\begin{aligned} \displaystyle \sum_{n=0}^{+\infty}\dfrac{1}{2^n} &= \left(\dfrac{1}{2} \right)^n \\ &= \dfrac{1}{1-1/2}\\ &= \dfrac{1}{1/2} \\ &=2 \end{aligned}}

Que é a resposta que nós sabemos estar correcta!

Exercícios Resolvidos

— 1. Introdução —

A pedido de um dos nossos leitores vamos publicar alguns exercícios resolvidos para ajudá-lo a ele e aos seus colegas na compreensão da matéria de Cálculo I para o curso de Gestão e Economia.

— 2. Exercícios —

Exercício 1 Considera a sucessão {U_n} definida por: {U_n=\frac{n+1}{n}}.

  1. Calcule os 4 primeiro termos de {U_n}

    {U_1=\frac{1+1}{1}=\frac{2}{1}=2}

    {U_2=\frac{2+1}{2}=\frac{3}{2}}

    {U_3=\frac{3+1}{3}=\frac{4}{3}}

    {U_4=\frac{4+1}{2}=\frac{5}{4}}

  2. Verifica se {\frac{6}{5}} é um termo da sucessão

    Para que {\frac{6}{5}} seja um termo da sucessão {U_n} tem que existir um {n} pertencente a {\mathbb{N}} tal que {U_n=\frac{6}{5}}.

    {\begin{aligned} \displaystyle \frac{6}{5}&= \frac{n+1}{n} \\ 6n &= 5n+5\\ 6n-5n &= 5\\ n &= 5 \end{aligned}}

    Como {n=5} é uma afirmação válida podemos concluir que {\frac{6}{5}} é um termo da sucessão.

  3. {\exists N \in \mathbb{N}: U_n=\frac{7}{8}}

    {\begin{aligned} \displaystyle \frac{7}{8}&= \frac{n+1}{n} \\ 7n &= 8n+8\\ 7n-8n &= 8\\ -n &= 5 \\ n &= -8 \end{aligned}}

    Como {n=-8} é uma afirmação que não é válida podemos que concluir que {n \nexists \mathbb{N}: U_n=\frac{7}{8}}

  4. Mostre que {a_{n+1}-a_n=-\frac{1}{(n+1)n}}. Que monotonia se trata?

    {\begin{aligned} \displaystyle a_{n+1}-a_n &=\frac{n+1+1}{n+1}-\frac{n+1}{n} \\ &= \frac{n+2}{n+1}-\frac{n+1}{n} \\ &= \frac{(n+2)n-(n+1)^2}{(n+1)n} \\ &= \frac{n^2-2n-n^2-2n-1^2}{(n+1)n} \\ &= \frac{-1}{(n+1)n} \\ &= -\frac{1}{(n+1)n} \end{aligned}}

    Uma vez que a diferença entre termos sucessivos da sucessão {U_n} é negativa temos a seguinte relação:

    \displaystyle  a_{n+1}-a_n < 0

    Ora isto implica que

    \displaystyle  a_{n+1} < a_n

    Assim sendo vemos que os termos sucessivos são sempre menores que os termos anteriores, logo a sucessão {U_n} tem uma monotonia decrescente.

Exercício 2 Prove que a sucessão de termo geral

\displaystyle  a_n=\frac{3n-4}{2n-1}

é uma sucessão crescente.

Tal como vimos no exercício anterior para calcularmos a monotonia de uma função temos que calcular o termo

\displaystyle  a_{n+1}-a_n

{\begin{aligned} \displaystyle a_{n+1}-a_n &=\frac{3(n+1)-4}{2(n+1)-1}-\frac{3n-4}{2n-1} \\ &= \frac{3n+3-4}{2n+2-1}-\frac{3n-4}{2n-1} \\ &= \frac{3n-1}{2n+1}-\frac{3n-4}{2n-1} \\ &= \frac{(3n-1)(2n-1)-(3n-4)(2n+1)}{(2n+1)(2n-1)} \\ &= \frac{6n^2-3n-2n+1-(6n^2+3n-8n-4)}{4n^2-1} \\ &= \frac{6n^2-3n-2n+1-6n^2-3n+8n+4)}{4n^2-1} \\ &= \frac{5}{4n^2-1} \end{aligned}}

Uma vez que

\displaystyle  a_{n+1}-a_n=\frac{5}{4n^2-1}

E que

\displaystyle \frac{5}{4n^2-1}>0

Temos que

\displaystyle  a_{n+1}-a_n>0

E assim é

\displaystyle  a_{n+1}> a_n

Logo {a_n} é uma sucessão crescente.

Exercício 3

Dada a sequência do exemplo anterior, justifique que são limitadas as seguintes sucessões

  • {a_n=10+\frac{1}{n}}

    Ora {a_1=10+\frac{1}{1}=10+1=11}

    Por outro lado vamos calcular o limite da sucessão.

    {\begin{aligned} \displaystyle \lim a_n &= \lim 10+\frac{1}{n}\\ &= 10+0\\ =10 \end{aligned}}

    Uma vez que

    \displaystyle  10 \leq a_n \leq 11

    A sucessão diz-se limitada.

  • {u_n=\frac{n+1}{n}}

    {u_1=\frac{1+1}{1}=\frac{2}{1}=2}

    Por outro lado

    {\begin{aligned} \displaystyle \lim u_n &= \lim \frac{n+1}{n}\\ &= 1 \end{aligned}}

    Uma vez que

    \displaystyle  1 \leq u_n \leq 2

    A sucessão diz-se limitada.

  • {d_n=\frac{3-n}{n+1}}

    {d_0=\frac{3-0}{0+1}=\frac{3}{1}=3}

    Por outro lado

    {\begin{aligned} \displaystyle \lim d_n &= \lim \frac{3-n}{n+1}\\ &= \lim \frac{-n}{n}\\ &= -1 \end{aligned}}

    Uma vez que

    \displaystyle  -1 \leq u_n \leq 3

    A sucessão diz-se limitada.

  • {d_n=n+\frac{1}{n}}

    {d_1=1+\frac{1}{1}=1+1=2}

    Por outro lado

    {\begin{aligned} \displaystyle \lim d_n &= n+\frac{1}{n}\\ &=\lim n+0\\ &= +\infty \end{aligned}}

    Uma vez que

    \displaystyle  \lim d_n=+\infty

    A sucessão diz-se não limitada.

  • Análise Matemática – Cálculo Diferencial III

    Teorema 65 {Teorema de Cauchy} Sejam { {[a,b]\subset\mathbb{R}}} e { {f}}, { {g}} contínua tal que { {f;g:[a,b]\rightarrow \mathbb{R}}}. Se { {f}} e { {g}} são diferenciáveis em { {]a,b[}} e { {g'}} é diferente de {0} em { {]a,b[}}, então existe { {c \in ]a,b[}} tal que

    \displaystyle   \frac{f(b)-f(a)}{g(b)-g(a)}=\frac{f'(c)}{g'(c)} \ \ \ \ \ (66)

    Demonstração: Temos { {g(a)\neq g(b)}} uma vez que se fosse { {g(a)=g(b)}}, { {g'}} teria uma raiz em { {]a,b[}}.

    Seja

    \displaystyle  \lambda=\frac{f(b)-f(a)}{g(b)-g(a)}

    e vamos definir { {\varphi}} como sendo { {\varphi:[a,b]\rightarrow\mathbb{R}}}(diferenciável em { {]a,b[}} e contínua em { {[a,b]}}) tal que { {\varphi=f(x)-\lambda g(x)}} { {\forall x \in [a,b]}}. Assim

    \displaystyle  \varphi(a)=f(a)-\lambda g(a)=\ldots=\varphi(b)

    Aplicando o teorema 63 em { {[a,b]}} existe { {c\in [a,b]}} tal que { {\varphi'=0}}. Isto é

    \displaystyle  f'(c)-\lambda g'(c)=0 \Leftrightarrow \lambda=\frac{f'(c)}{g'(c)}

    \Box

    O Teorema anterior de certa forma é mais um Lema do que propriamente um Teorema. Dizemos isso porque não obstante seja um resultado importante por si próprio ele é bastante útil para provarmos outros teoremas. Para além disso este resultado pode ainda ser interpretado com um algoritmo que nos permite obter aproximações (muito) locais para funções na vizinhança de um dado ponto.

    Teorema 66 {Primeira regra de Cauchy} Sejam { {I \subset \mathbb{R}}}, { {c\in I'}} e { {f,g:I\setminus \{c\}\rightarrow \mathbb{R}}} diferenciável. Vamos também assumir que { {g'}} não se anula em { {I\setminus \{c\}}} e que { {\displaystyle \lim _{x\rightarrow c}f(x)=\displaystyle \lim _{x\rightarrow c}g(x)=0}}.

    Se { {\displaystyle \lim _{x\rightarrow c}\frac{f'(x)}{g'(x)}}} existe temos que

    \displaystyle   \lim _{x\rightarrow c}\frac{f(x)}{g(x)}=\lim _{x\rightarrow c}\frac{f'(x)}{g'(x)} \ \ \ \ \ (67)

    Demonstração: Seja { {c\in\mathbb{R}}}. Uma vez que { {f,g}} são contínuas em { {I\setminus \{ c \}}} e { {\displaystyle \lim _{x\rightarrow c}f(x)=\displaystyle \lim _{x\rightarrow c}g(x)=0}} podemos definir { {f(c)=g(c)=0}}. Seja { {x_n: \mathbb{N}\rightarrow I\setminus \{c\}}} tal que { {x_n\rightarrow c^+}}.

    Aplicando o Teorema 65 a cada intervalo { {[c,x_n]}} vem que

    \displaystyle  \frac{f(x_n)}{g(x_n)}=\frac{f(x_n)-f(c)}{g(x_n)-g(c)}=\frac{f'(u_n)}{g'(u_n)}

    Com { {c<u_n<x_n}}.

    Então { {u_n\rightarrow c}} pelo Teorema da sucessão enquadrada 17

    E

    \displaystyle  \lim _{x\rightarrow c}\frac{f'(u_n)}{g'(u_n)}=\lim _{x\rightarrow c}\frac{f'(x)}{g'(x)}

    pela definição de limite.

    Então

    \displaystyle  \lim _{x\rightarrow c}\frac{f(x_n)}{g(x_n)}=\lim _{x\rightarrow c}\frac{f'(x)}{g'(x)}

    Assim pela definição de limite é

    \displaystyle   \lim _{x\rightarrow c}\frac{f(x)}{g(x)}=\lim _{x\rightarrow c^+}\frac{f'(x)}{g'(x)} \ \ \ \ \ (68)

    Analogamente se para { {x_n}} temos

    \displaystyle  x_n\rightarrow c^-

    Aplicando o Teorema 65 a cada intervalo { {[x_n,c]}} é

    \displaystyle  \frac{f(x_n)}{g(x_n)}=\frac{f(x_n)-f(c)}{g(x_n)-g(c)}=\frac{f(c)-f(x_n)}{g(c)-g(x_n)}=\frac{f'(u_n)}{g'(u_n)}

    Com { {x_n<u_n<c}}.

    Analogamente ao que vimos atrás fica

    \displaystyle   \lim _{x\rightarrow c}\frac{f(x)}{g(x)}=\lim _{x\rightarrow c^-}\frac{f'(x)}{g'(x)} \ \ \ \ \ (69)

    Das equações 68 e 69 vem que

    \displaystyle  \lim _{x\rightarrow c}\frac{f(x)}{g(x)}=\lim _{x\rightarrow c}\frac{f'(x)}{g'(x)}

    Finalmente façamos { {c=+\infty}}. Seja { {x=1/t}}. Temos que { {x\rightarrow \infty \Leftrightarrow t\rightarrow 0^+}}. Pelo que provámos até agora temos

    { {\begin{aligned} \displaystyle \lim _{x\rightarrow +\infty}\frac{f(x)}{g(x)} &= \displaystyle \lim_{t \rightarrow 0^+}\frac{f(1/t)}{g(1/t)}\\ &= \displaystyle\lim_{t \rightarrow 0^+}\frac{(f(1/t))'}{(g(1/t))'}\\ &=\displaystyle \lim_{t \rightarrow 0^+}\frac{-1/t^2f'(1/t)}{-1/t^2g'(1/t)}\\ &=\displaystyle \lim_{t \rightarrow 0^+}\frac{f'(1/t)}{g'(1/t)}\\ &=\displaystyle \lim_{t \rightarrow 0^+}\frac{f'(x)}{g'(x)}\\ \end{aligned}}}

    Assim, para este caso também é { {\displaystyle\lim _{x\rightarrow c}\frac{f(x)}{g(x)}=\lim _{x\rightarrow c}\frac{f'(x)}{g'(x)}}}.

    O caso { {c=-\infty}} pode ser demonstrado de forma semelhante com a mudança de variável { {x=-1/t}}. \Box

    Teorema 67 {Segunda regra de Cauchy} Sejam { {I \subset \mathbb{R}}}, { {c\in I'}} e { {f,g:I\setminus \{c\}\rightarrow \mathbb{R}}} diferenciável. Suponha-se { {g}} não se anula em { {I\setminus \{c\}}} e que { {\displaystyle \lim _{x\rightarrow c}f(x)=\displaystyle \lim _{x\rightarrow c}g(x)=+\infty}}. Então se existir limite { {\displaystyle \lim _{x\rightarrow c}\frac{f'(x)}{g'(x)}}} tem-se

    \displaystyle   \lim _{x\rightarrow c}\frac{f(x)}{g(x)}=\lim _{x\rightarrow c}\frac{f'(x)}{g'(x)} \ \ \ \ \ (70)

    Demonstração: Deixada como um exercício para o leitor. \Box

    Os dois teoremas anteriores são conhecidos por uma variedade de nomes na literatura matemática e são sobejamente utilizados para calcularmos limites. Como sempre daremos alguns exemplos para demonstrar a sua utilidade.

    Exemplo 1 As funções { {e^x}} and { {x}} tendem para infinito quando { {x}} tende para infinito. Já sabemos que a função exponencial tende para infinito mais rápido que qualquer polinómio de {x} pelo teorema 45 no artigo Análise Matemática – Limites e Continuidade VI mas utilizando a Segunda regra de Cauchy podemos demonstrar esse resultado de forma mais rápida.

    \displaystyle   \lim_{x\rightarrow \infty}\frac{e^x}{x} \ \ \ \ \ (71)

    Como sempre um método que consegue demonstrar um mesmo resultado de uma forma mais rápida e eficiente é um método mais poderoso.

    { {\begin{aligned} \displaystyle \lim _{x\rightarrow +\infty}\frac{e^x}{x} &= \displaystyle \lim_{x \rightarrow +\infty}\frac{(e^x)'}{x'}\\ &= \displaystyle \lim _{x\rightarrow +\infty}\frac{e^x}{1}\\ &= \infty \end{aligned}}}

    Exemplo 2 As funções { {\cos x-1}} e { {x^2}} tendem para { {0}} quando { {x}} tende para { {0}}. A pergunta que se coloca é qual das funções tende para { {0}} de forma mais rápida?

    { {\begin{aligned} \displaystyle \lim_{x\rightarrow 0}\frac{\cos x-1}{x^2} &= \displaystyle \lim_{x\rightarrow 0}\frac{(\cos x-1)'}{(x^2)'}\\ &= \displaystyle \lim_{x\rightarrow 0}\frac{-\sin x}{2x}\\ &= \ldots \end{aligned}}}

    No final dos cálculos anteriores chegamos mais uma vez a uma indeterminação do tipo { {\displaystyle \lim_{x\rightarrow 0}\frac{f(x)}{g(x)}}} onde { {\displaystyle \lim_{x\rightarrow 0}f(x)=\displaystyle \lim_{x\rightarrow 0}g(x)=0}}.

    No entanto ambas a regras de Cauchy podem ser utilizadas mais do que uma vez. Assim sendo vamos utilizar mais uma vez a regra de Cauchy (voltando ao ponto inicial para que não percamos o raciocínio)

    { {\begin{aligned} \displaystyle \lim_{x\rightarrow 0}\frac{\cos x-1}{x^2} &= \displaystyle \lim_{x\rightarrow 0}\frac{(\cos x-1)'}{(x^2)'}\\ &= \displaystyle \lim_{x\rightarrow 0}\frac{-\sin x}{2x}\\ &= \displaystyle \lim_{x\rightarrow 0}\frac{-\cos x}{2}\\ &= -\dfrac{1}{2} \end{aligned}}}

    Como exercício calcule:

    \displaystyle  \lim_{x \rightarrow 0} \frac{e^x-1}{1}

    Vamos agora demonstrar mais um resultado matemático que é muito importante para a Física, a um nível conceptual pode ser interpretado tanto de forma geométrica como de forma cinemática e que tem o nome de teorema de Lagrange.

    Teorema 68 {Teorema de Lagrange} Sejam { {[a,b]\subset\mathbb{R}}} e { {f:[a,b]\rightarrow\mathbb{R}}} contínua. Se { {f}} é diferenciável { {]a,b[}} existe { {c\in ]a,b[}} tal que

    \displaystyle   \frac{f(b)-f(a)}{b-a}=f'(c) \ \ \ \ \ (72)

    Demonstração: No teorema 65 faça-se { {g(x)=x}} e o resultado segue trivialmente. \Box

    Como dissemos anteriormente este teorema pode ser interpretado de uma forma geométrica ou de uma forma cinemática.

    Geometricamente podemos dizer que a secante a função { {f(x)}} que passa pelas extremidades de { {[a,b]}} tem um determinado declive e que podemos sempre encontrar uma tangente à função { {f}} no intervalo { {[a,b]}} cujo declive é o mesmo que o da recta secante. Assim podemos dizer que a recta tangente é paralela à recta secante.

    A interpretação cinemática diz-nos que se { {x}} representa o tempo e que se { {f(x)}} representa a posição (num movimento unidimensional) então { {f(b)-f(a)}} representa a distância percorrida no intervalo de tempo { {b-a}} com uma velocidade média de

    \displaystyle  \frac{f(b)-f(a)}{b-a}

    Neste contexto sabemos que { {f'(x)}} é a velocidade instantânea e assim sendo o Teorema 68 diz-nos que existe um instante de tempo { {c}} para o qual a velocidade instantânea é igual à velocidade média em todo o intervalo de tempo.

    Exemplo 3 Mostre que { {e^x-1>x\quad \forall x \neq 0}}.

    Seja { {f(t)=e^t}}. Vamos assumir que { {x>0}} e aplicar o teorema 68 no intervalo { {[0,x]}}.

    { \displaystyle \frac{e^x-e^0}{x-0}=\left( e^t \right)'_{t=c} }

    com { {0<c<x}}.

    Então

    \displaystyle  \frac{e^x-1}{x}=e^c>1

    Vamos agora assumir que { {x<0}} e aplicar mais uma vez o teorema 68 no intervalo { {[x,0]}}.

    \displaystyle  \frac{e^0-e^x}{0-x}=\left( e^t \right)'_{t=c}

    com { {x<c<0}}.

    Então

    \displaystyle  \frac{1-e^x}{-x}=e^c<e^0=1\Leftrightarrow 1-e^x<-x\Leftrightarrow e^x-1>x

    De notar que não tivemos que inverter o sinal da desigualdade quando multiplicámos por { {-x}} uma vez que { {x<0}} e consequentemente { {-x>0}}.

    Vamos agora enunciar dois importantes corolários para o teorema anterior.

    Corolário 69 Sejam { {I}} um intervalo em { {\mathbb{R}}} e { {f:I\rightarrow\mathbb{R}}} contínua. Se {{f'}} existe e é identicamente nula no interior de { {I}}, então { {f}} é constante.

    Demonstração: Por redução ao absurdo vamos assumir que { {f}} não é constante. Então existe { {a,b \in I}} tal que { {a<b}} e { {f(a)\neq f(b)}}. Uma vez que { {f}} é constante em { {[a,b]}} e diferenciável em { {]a,b[}} pelo teorema 68 vem que

    \displaystyle  \frac{f(b)-f(a)}{b-a}=f'(c)

    com { {c\in ]a,b[}}.

    Assim { {\frac{f(b)-f(a)}{b-a}=0}} o que é absurdo pois tal implicaria que { {f(b)=f(a)}}, que é contrário à nossa hipótese. \Box

    Corolário 70 Sejam { {I}} um intervalo em { {\mathbb{R}}} e { {f:I\rightarrow\mathbb{R}}} contínua. Se { {f'}} existe e é positiva (negativa) no interior de { {I}}, então { {f}} é estritamente crescente (decrescente).

    Demonstração: Vamos analisar o caso { {f'>0}}. Dado { {a,b \in I}} tais que { {a<b}}. Do teorema 68 vem que

    \displaystyle  \frac{f(b)-f(a)}{b-a}=f'(c)>0

    com { {c \in ]a,b[}}.

    Uma vez que { {b-a>0}} vem que { {f(b)>f(a)}} e { {f}} é estritamente crescente. \Box

    Com estes resultados terminamos o capítulo de Cálculo Diferencial no nosso curso de Análise Real. Os nossos próximos artigos teóricos irão debruçar-se sobre a Teoria das Séries Numéricas

    Análise Matemática – Cálculo Diferencial II

    Teorema 60 {Diferenciabilidade da função composta} Seja { {D, E \in C}}, { {g:D\rightarrow E}}, { {f:E\rightarrow\mathbb{R}}} e { {c\in D\cap D'}}. Se { {g}} é diferenciável em { {c}} e { {f}} é diferenciável em { {g(c)}}, então { {f\circ g}} é diferenciável em { {c}} e é

    \displaystyle   (f\circ g)'(c)=f'(g(c))g'(c) \quad\mathrm{se}\quad \varphi=f(t) \quad\mathrm{com}\quad t=g(x) \ \ \ \ \ (58)

    \displaystyle   f\circ g)'(x)=f'(g(x))g'(x) \quad\mathrm{se}\quad \varphi=f(g(x)) \ \ \ \ \ (59)

    Usando a notação de Leibniz podemos escrever o teorema da seguinte maneira

    \displaystyle   \frac{dy}{dx}=\frac{dy}{dt}\cdot\frac{dt}{dx} \ \ \ \ \ (60)

    Que é uma forma bastante mais sugestiva de escrever o teorema anterior pois parece sugerir que podemos cortar os termos {dt}.

    Demonstração: Seja { {a=g(c)}}. Uma vez que { {f}} é diferenciável em { {a}} pelo teorema 57 vem

    \displaystyle f(t)=f(a)+(f'(a)+\varphi (t)(t-a)\quad \forall t \in E

    com { {\varphi}} contínua em { {a}}.

    Tomando { {g(x)=t}} e { {g(c)=a}} vem que

    \displaystyle  f(g(x))=f(g(c))+f'(g(c))+\varphi(g(x))(g(x)-g(c))\quad\forall x \in D

    Assim

    \displaystyle   \frac{f(g(x))-f(g(c))}{x-c}=(f'(g(c))+\varphi(g(x)))\frac{g(x)-g(c)}{x-c } \ \ \ \ \ (61)

    Uma vez que { {g}} é diferenciável em { {c}} sabemos, pelo corolário 59, que {g} também é contínua em { {c}}. Assim { {\varphi (g(x))}} também é contínua em { {c}} (pelo teorema 43).

    Assim

    \displaystyle  \lim_{x\rightarrow c}\varphi(g(x))=\varphi (g(c))=\varphi(a)=0

    Tomando o limite { {x\rightarrow c}} na equação 61 vem

    \displaystyle  \lim_{x\rightarrow c}\frac{f(g(x))-f(g(c))}{x-c}=f'(g(c))

    Que é equivalente a

    \displaystyle  (f \circ g)'(c)=f'(g(c)g'(c)

    \Box

    Como aplicação do teorema 60 vamos estudar alguns exemplos simples:

    1. { {\left( e^{g(x)} \right)'=?}}

      Ora { {e^{g(x)}=f(g(x))}}. Tomemos { {t=g(x)}}. Assim

      { {\begin{aligned} \left( e^{g(x)} \right)' &= \left(e^t\right)'g'(x)\\ &= e^t g'(x)\\ &= e^{g(x)}g'(x) \end{aligned}}}

      Temos então

      { \displaystyle \left( e^{g(x)} \right)'=g'(x) e^{g(x)})}

    2. Seja { {\alpha\in\mathbb{R}}} e { {x>0}}. Calcule { {\left( x^\alpha \right)'}}.

      { {\begin{aligned} \left( x^\alpha\right)'&=\left( e^{\alpha\log x}\right)'\\ &=(\alpha\log x)'e^{\alpha\log x}\\ &=\dfrac{\alpha}{x}e^{\alpha\log x}\\ &=\dfrac{\alpha}{x}x^\alpha\\ &=\alpha x^{\alpha -1} \end{aligned}}}

      Que é uma generalização para a regra da derivada da potência de expoentes inteiros.

      Assim

      \displaystyle  \left( x^\alpha\right)'= \alpha x^{\alpha -1}\quad \forall\alpha\in\mathbb{R},\forall x>0

    3. { {(\log g(x))'=?}}

      Tal como no primeiro exemplo temos a seguinte estrutura que pretendemos derivar: { {\log g(x)=f(g(x))}} onde { {f(t)=\log t}} e { {t=g(x)}}.

      Assim

      { {\begin{aligned} (\log g(x))'&=(\log t)'g'(x)\\ &= \dfrac{1}{t}g'(x)\\ &=\dfrac{g'(x)}{g(x)} \end{aligned}}}

      Assim para { {g(x)>0}} vem

      \displaystyle  (\log g(x))'=\frac{g'(x)}{g(x)}

    Em particular podemos calcular { {(\log |x|)'}}

    { \displaystyle (\log |x|)'=\frac{|x|'}{|x|}=\begin{cases} \dfrac{1}{|x|}\quad x>0\\-\dfrac{1}{|x|}\quad x<0 \end{cases} }

    Uma vez que { {-|x|=x}} sempre que { {x<0}} temos sempre

    \displaystyle  (\log |x|)'=\frac{1}{x}\quad\forall x\neq 0

    Teorema 61 {Diferenciabilidade da função inversa} Seja { {D\subset\mathbb{R}}}, { {f:D\rightarrow\mathbb{R}}} injectiva e { {c\in D\cap D'}}. Se

    • { {f}} é diferenciável em { {c}}
    • { {f'(c)\neq 0}}
    • { {f^{-1}}} é contínua

    então { {f^{-1}}} é diferenciável e é

    \displaystyle   \left( f^{-1} \right)'(f(c))=\frac{1}{f(c)} \ \ \ \ \ (62)

    Na notação de Leibniz é { {y=f(x)}}, { {x=f^{-1}(y)}} e a diferenciabilidade da função inversa expressa-se do seguinte modo

    \displaystyle   \frac{dx}{dx}=\frac{1}{\frac{dy}{dx}} \ \ \ \ \ (63)

    Demonstração: Omitida. \Box

    Tal como no teorema 60 vamos agora analisar um caso de interesse.

    Seja { {y=\sin x}} e { {x\in [-\pi /2,\pi /2]}}, então podemos definir { {x=\arcsin y}}.

    Ora

    • { {f(x)}} é diferenciável
    • { {f'(x)=\cos x\neq 0}} em { {[-\pi /2,\pi /2]}}
    • { {\arcsin y}} é contínua em { {[-1,1]}} é contínua

    Então

    { {\begin{aligned} (\arcsin y)' &= \left( f^{-1}(y) \right)'\\ &=\dfrac{1}{f'(x)}\\ &=\dfrac{1}{\cos x}\\ &=\dfrac{1}{\sqrt{1-\sin^2x}}\\ &=\dfrac{1}{\sqrt{1-y^2}} \end{aligned}}}

    Finalmente

    \displaystyle  (\arcsin y)'=\frac{1}{\sqrt{1-y^2}} \quad y \in [-1,1]

    Escrevendo de uma maneira mais normal

    \displaystyle  (\arcsin x)'=\frac{1}{\sqrt{1-x^2}} \quad x \in [-1,1]

    Em geral podemos ainda definir derivadas de ordem superior através de uma definição recursiva.

    Vamos denotar a derivada de ordem {n} de { {f}} por { {f^{(n)}}} . Em primeiro lugar dizemos que { {f^{(0)}=f}}. Agora para { {f^{(n+1)}}} é

    \displaystyle  f^{(n+1)}=\left( f^{(n)} \right)'

    Ou seja:

    • { {f'=\dfrac{df}{dx}}}
    • { {f''=\dfrac{d}{dx}\dfrac{df}{dx}=\left( \dfrac{d}{dx} \right)^2 f=\dfrac{d^2}{dx^2}f}}
    • { {f'''=\dfrac{d}{dx}\dfrac{d^2}{dx^2}f=\dfrac{d^3}{dx^3}f}}
    • { {f^{(n)}=\left( \dfrac{d}{dx} \right)^n f=\dfrac{d^n f}{dx^n}}}

    Dado a exposição anterior faz sentido introduzir a seguinte definição:

    Definição 43 Uma função { {f}} diz-se { {n}} vezes diferenciável em { {c}} se { {f^{(n)}}} existe para todas as ordens até {n} e são finitas.

    Já sabemos que uma função diferenciável é contínua mas será que a derivada de uma função diferenciável também é contínua?

    A resposta a esta questão é um não e vamos apresentar o seguinte (contra)exemplo como evidência:

    \displaystyle  f(x)=\begin{cases} x^2\sin (1/x) \quad &x\neq 0\\ 0 & x=0 \end{cases}

    É fácil ver que { {f}} é diferenciável em { {\mathbb{R}}}

    \displaystyle  f'(x)=\begin{cases} 2x\sin (1/x)-\cos (1/x) & x\neq 0\\ 0 & x=0 \end{cases}

    Mas { {f'}} não é contínua em { {x=0}}. Fica como um exercício para o leitor calcular { {\displaystyle\lim_{x\rightarrow 0^+}f'(x)}} e { {\displaystyle\lim_{x\rightarrow 0^-}f'(x)}}.

    Aparentemente a derivada de uma função ou é contínua ou é fortemente descontínua.

    Continuando a nossa exposição vemos que faz sentido introduzirmos uma definição que caracteriza as funções de acordo com as propriedades das suas funções derivadas.

    Definição 44 Uma função { {f}} diz-se ser de classe { {C^n}} se é { {n}} vezes diferenciável e { {f^{(n)}}} é contínua.

    É fácil ver que uma função de classe { {C^{n+1}}} também é uma função de classe { {C^n}}.

    Uma função diz-se ser de classe { {c^\infty}} se tem derivadas finitas de todas as ordens (que são necessariamente contínuas).

    Se{ {f,g}} são { {n}} vezes diferenciáveis em { {c}} então { {f+g}}, { {fg}}, { {f/g\quad g(c)\neq 0}} também são { {n}} vezes diferenciáveis em { {c}}.

    Definição 45 Seja { {D\subset\mathbb{R}}}, { {f:D\rightarrow\mathbb{R}}} e { {c\in D}}. { {c}} é um máximo relativo de { {f}} se

    \displaystyle   \exists r>0:x\in V (c,r)\cap D \Rightarrow f(x)<f(c) \ \ \ \ \ (64)

    Definição 46 Seja { {D\subset\mathbb{R}}}, { {f:D\rightarrow\mathbb{R}}} e { {c\in D}}. { {c}} é um mínimo relativo de { {f}} se

    \displaystyle   \exists r>0:x\in V (c,r)\cap D \Rightarrow f(x)>f(c) \ \ \ \ \ (65)

    Teorema 62 {Teorema do extremo interior} Seja { {I\in\mathbb{R}}} e { {c}} um ponto interior de { {I}}. Se { {f}} tem um extremo relativo em { {c}} e { {f'(c)}} existe, então { {f'(c)=0}}

    Demonstração: Vamos supor, sem perda de generalidade, que { {f}} tem um máximo relativo em { {c}}. Uma vez que { {c}} é um ponto interior de { {I}} e { {f'(c)}} existe, { {f_+(c)}} e { {f_-(c)}} existem e são iguais.

    Por definição é { {f_+'(c)=\displaystyle\lim_{x\rightarrow c^+}\dfrac{f(x)-f(c)}{x-c}}}

    Por hipótese temos

    \displaystyle  \exists r>0:x\in V (c,r)\cap D \Rightarrow f(x)<f(c)

    Assim

    \displaystyle  x\in V(c,r)\cap I\quad\mathrm{e}\quad x>c \Rightarrow \frac{f(x)-f(c)}{x-c}\leq 0

    Pelo corolário 31 (Análise Matemática – Limites e Continuidade II) vem

    \displaystyle  f_+'(c)=\lim_{x\rightarrow c^+}\dfrac{f(x)-f(c)}{x-c}\leq 0

    Da mesma forma

    \displaystyle  x\in V(c,r)\cap I\quad\mathrm{e}\quad x<c \Rightarrow \frac{f(x)-f(c)}{x-c}\geq 0

    Assim

    \displaystyle  f_-'(c)=\lim_{x\rightarrow c^-}\dfrac{f(x)-f(c)}{x-c}\geq 0

    Uma vez que { {f_+'(c)=f_-'(c)=f'(c)}} temos que ter { {f_+'(c)=f_-'(c)=0}} e consequentemente { {f'(c)=0}}. \Box

    Teorema 63 {Teorema de Rolle} Seja { {[a,b]\subset\mathbb{R}}} e { {f}} contínua tal que { {f:[a,b]\rightarrow \mathbb{R}}}. Se { {f}} é diferenciável em { {]a,b[}} e { {f(a)=f(b)}} então existe um ponto { {c\in ]a,b[}} tal que { {f'(c)=0}}.

    Demonstração: Uma vez que { {f}} é contínua no intervalo compacto { {[a,b]}} sabemos que tem um máximo e um mínimo em { {[a,b]}} (teorema 55 no artigo Análise Matemática – Limites e Continuidade VII ).

    Se para { {c\in ]a,b[}} { {f(c)}} é um máximo ou um mínimo, então pelo teorema 62 { {f'(c)=0}}.

    Seja agora { {m}} o mínimo e { {M}} o máximo. Vamos analisar o caso em que a função toma valores extremos ocorrem nas extremidades dos intervalos. Uma vez que por hipótese é { {f(a)=f(b)}} então { {m=M}}. Neste caso { {f}} é constante e é trivial que { {f'(c)=0\quad\forall c\in [a,b]}}. \Box

    Corolário 64 Seja { {I\in\mathbb{R}}}, { {f}} contínua tal que { {f:I\rightarrow\mathbb{R}}}. Se { {f}} é diferenciável no interior de { {I}} e { {f'}} não se anula no interior de { {I}}, então { {f}} não tem mais que uma raíz em {I}.

    Demonstração: Usando o método de redução ao absurdo vamos assumir que { {f}} tem duas raízes em { {I}} ({ {a}} e { {b}}). Aplicando o teorema 63 em { {[a,b]}} (uma vez que { {f(a)=f(b)}}) existe { {c}} em { {]a,b[}} tal que { {f'(c)=0}}. Assim { {f'}} anula-se no interior de { {I}} o que é contrário à nossa hipótese. \Box

    Análise Matemática – Cálculo Diferencial I

    — 7. Cálculo Diferencial —

    Definição 37

    Seja { {D\subset\mathbb{R}}}, { {f:D\rightarrow\mathbb{R}}} e { {c\in D\cap D'}}. { {f}} diz-se diferenciável no ponto { {c}} se o seguinte limite existe

    \displaystyle   \displaystyle \lim_{x\rightarrow c}\frac{f(x)-f(c)}{x-c} \ \ \ \ \ (53)

    Este limite é representado por { {f'(x)}} e diz-se que é a derivada de { {f}} em { {c}}.

    Geometricamente podemos interpretar o valor da derivada no ponto {c} como sendo igual ao declive da recta tangente à curva que passa pelo ponto {c}.

    Pensando em termos cinemáticos sabemos que podemos representar a evolução da posição de uma partícula pela função { {x=f(t)}}. Deste modo podemos definir a velocidade média da partícula no intervalo { {[t_0,t]}} por

    \displaystyle  v_m(t_0,t)=\frac{f(t)-f(t_0)}{t-t_0}

    Se quisermos determinar a velocidade da partícula num dado instante de tempo temos que partir da definição anterior e fazer com que o intervalo de tempo seja o mais pequeno e próximo possível do instante para o qual queremos saber a velocidade. Se { {f}} é uma função bem comportada o limite existe e podemos defini-lo como sendo o valor da velocidade no instante (velocidade instantânea):

    \displaystyle  v(t_0)=\lim_{t\rightarrow t_0}v_a(t_0,t)=\lim_{t\rightarrow t_0}\frac{f(t)-f(t_0)}{t-t_0}=f'(t_0)

    Assim o conceito de derivada serve para unificar dois conceitos que à partida eram distintos:

    • O conceito de recta tangente a uma curva, que é um conceito puramente geométrico.
    • O conceito de velocidade instantânea, que é um conceito puramente cinemático.

    O facto de dois conceitos aparentemente díspares serem unificados por um objecto matemático é uma indicação da importância e profundidade do conceito de derivação.

    Definição 38

    Seja { {f:D\rightarrow\mathbb{R}}}. Se { {c\in D\cap D_{c^+}'}}, podemos definir a derivada à direita de {f} em { {c}} por

    \displaystyle   f_+'(c)=\lim_{x\rightarrow c^+}\frac{f(x)-f(c)}{x-c} \ \ \ \ \ (54)

    Definição 39

    Seja { {f:D\rightarrow\mathbb{R}}}. Se { {c\in D\cap D_{c^-}'}}, podemos definir a derivada à esquerda de {f} em { {c}} por

    \displaystyle   f_-'(c)=\lim_{x\rightarrow c^-}\frac{f(x)-f(c)}{x-c} \ \ \ \ \ (55)

    Definição 40

    Se { {c\in D_{c^+}\cap D_{c^-}}}, dizemos que { {f'(c)}} existe sse { {f_+'(c)}} e { {f_-'(c)}} existem e são iguais.

    Definição 41

    Seja { {f:D\rightarrow\mathbb{R}}} diferenciável em { {D}}. A função { {x \in D \rightarrow f'(x)\in\mathbb{R}}} é chamada de função derivada de { {f}} e é representada por { {f'}}.

    Definição 42

    Fazendo a mudança de variável { {h=x-c}} na Definição 37 podemos definir a derivada de uma função num ponto através da expressão:

    \displaystyle   f'(x)=\lim_{h\rightarrow 0}\frac{f(x+h)-f(x)}{h} \ \ \ \ \ (56)

    Finalmente vamos introduzir a notação de Leibniz para denotar a derivada de {f}:

    • { {\Delta x}} representa o incremento em { {x}}.
    • { {\Delta f = f(x+h)-f(x)}} representa o incremento em { {y}}.

    Se os incremento são infinitamente pequenos, ou seja, se os incrementos são infinitesimais podemos representa-los por

    • { {dx}} é o acréscimo infinitesimal em { {x}}.
    • { {df}} é o acréscimo infinitesimal em { {y}}.

    Assim podemos escrever a derivada como

    \displaystyle  f'(x)=\frac{df}{dx}

    Como exemplo vamos calcular a derivada da função { {f(x)=e^x}}.

    { {\begin{aligned} f'(x)&=\lim_{h\rightarrow 0}\dfrac{e^{x+h}-e^x}{h}\\ &=e^x\lim_{h\rightarrow 0}\dfrac{e^h-1}{h}\\ &=e^x \end{aligned}}}

    Para { {x\in\mathbb{R}}}.

    Como outro exemplo vamos agora calcular a derivada de { {f(x)=\log x}}

    { {\begin{aligned} f'(x)&=\lim_{h\rightarrow 0}\dfrac{\log (x+h)-\log x}{h}\\ &=\lim_{h\rightarrow 0}\dfrac{\log \left(x(1+h/x)\right)-\log x}{h}\\ &=\lim_{h\rightarrow 0}\dfrac{\log (1+h/x)}{h}\\ &=\lim_{h\rightarrow 0}\dfrac{h/x}{h}\\ &=1/x \end{aligned}}}

    Para { {x\in\mathbb{R}}}.

    Fica como um exercício para o leitor demonstrar as seguintes igualdades:

    • { {(\sin x)'=\cos x}}.
    • { {(\cos x)'=-\sin x}}.
    Teorema 57 Seja { {D\subset\mathbb{R}}}, { {f:D\rightarrow\mathbb{R}}} e { {c\in D\cap D'}}. Se { {f}} é diferenciável em { {c}}, existe uma função contínua { {\varphi:D\rightarrow\mathbb{R}}} com um zero em { {c}} tal que:

    \displaystyle   f(x)=f(c)+\left( \left( f'(c)+\varphi(x) \right) (x-c) \right)\quad x\in D \ \ \ \ \ (57)

    Demonstração:

    Definindo { {\varphi (x)}} por:

    { \displaystyle f(x) = \begin{cases} \dfrac{f(x)-f(c)}{x-c}-f'(c) \quad \mathrm{se}\quad x \in D\setminus \{c\}\\ 0 \quad \mathrm{se}\quad x =c \end{cases}}

    Uma vez que { {\displaystyle \lim_{x\rightarrow c}\varphi (x)=\lim_{x\rightarrow c} \left(\dfrac{f(x)-f(c)}{x-c}-f'(c)\right)=(f'(c)-f'(c)=0 }}, vem que { {\varphi}} é contínua em { {c}}.

    Para completar a nossa demonstração o leitor terá que mostrar que a nossa construção de { {\varphi}} faz com que a igualdade do teorema seja válida. \Box

    Corolário 58

    Seja { {f=D\rightarrow\mathbb{R}}} diferenciável em { {c}}. Então é { {f(x)=f(c)+f'(c)(x-c)+o(x-c)}} quando { {x\rightarrow c}}

    Demonstração:

    Seja { {r(x)=\varphi (x)(x-c)}}. Utilizando o Teorema 57 vem que

    \displaystyle  f(x)=f(c)+f'(c)(x-c)+r(x)

    Uma vez que { {\lim_{x\to c}\varphi (x)=\varphi (c)=0}} vem que { {r(x)=o(x-c)}} quando { {x\rightarrow c}}. \Box

    Corolário 59

    Seja { {f}} diferenciável em { {c}}. Então { {f}} é contínua em { {c}}

    Demonstração:

    Do Teorema 57 é

    { {\begin{aligned} \lim_{x\rightarrow c} f(x)&=\lim_{x\rightarrow c}(f(c)+(f'(c)+\varphi (x))(x-c))\\ &=f(c) \end{aligned}}} \Box

    Do Corolário 59 segue que todas as funções diferenciáveis são necessariamente contínuas. Será que o recíproco deste Corolário também é uma proposição válida?

    A resposta a esta questão é: Não! Como um simples contraexemplo temos a função módulo.

    Que é uma função contínua mas não é diferenciável pois no ponto {0} a derivada não existe. Uma maneira simples de ver que a derivada em {0} não existe é notar {f'_+=1} enquanto que {f'_-=-1}.

    Dito de uma forma informal vemos que a derivada de uma função num dado ponto não existe sempre que a função tenha forma de um bico nesse ponto.

    Um exemplo mais extremo de uma função que é contínua mas não é diferenciável é a função de Weierstrass:

    \displaystyle  \sum_{n=0}^\infty a^n\cos\left( b^n\pi x \right)

    com { {0<a<1}}, { {b}} um número ímpar positivo, e { {ab>1+3/2\pi}}.

    Esta função é contínua em todos os pontos do seu domínio e no entanto não é diferenciável em nenhum ponto do seu domínio. Na nossa linguagem informal, que corresponde a uma intuição geométrica ingénua, podemos dizer que a função de Weierstrass tem bicos em todos os pontos do seu domínio, algo que não é fácil de visualizar.

    Análise Matemática – Limites e Continuidade VII

    — 6. Propriedades globais de funções contínuas —

    Teorema 51 {Teorema do valor intermédio} Seja { {I=[a,b] \in \mathbb{R}}} e { {f: I \rightarrow \mathbb{R}}} contínua. Seja { {u \in \mathbb{R}}} tal que { {\inf(I)<u<\sup(I)}}, então existe { {c \in I}} tal que { {f(c)=u}}.

    Demonstração: Omitida. \Box

    De uma forma intuitiva podemos dizer que o teorema anterior mostra que se o gráfico de uma função contínua não tem buracos se o domínio dessa função também não tem buracos.

    Corolário 52 Seja { {[a,b]}} um intervalo em { {\mathbb{R}}} e { {f:[a,b]\rightarrow\mathbb{R}}} contínua. Vamos admitir que { {f(a)f(b)<0}}. Então { {\exists c \in ]a,b[}} tal que { {f(c)=0}}.

    Demonstração: O contradomínio de { {f}} contém valores maiores que { {0}} e valores menores que { {0}}. Logo { {\sup f(I)>0}} e { {\inf f(I)<0}}. Assim { {0}} está estritamente compreendido entre o ínfimo e o supremo do contradomínio de { {f}}. Por hipótese a função não se anula nas extremidades do intervalo, logo o valor { {0}} tem que ocorrer dentro do intervalo. \Box

    Corolário 53 Seja { {I\in\mathbb{R}}}, { {f:I\rightarrow\mathbb{\mathbb R}}} uma função contínua. Então { {f(I)}} também é um intervalo.

    Demonstração: Seja { {\alpha=\inf(I)}} e { {\beta=\sup(I)}}. Por definição de ínfimo e supremo é { {f(I)\subset [\alpha , \beta]}}. Usando o Teorema 51 vem que { {]a,b[\subset f(I)}}. Assim temos quatro possibilidades para { {f(I)}}:

    {f(I)=\begin{cases}{\alpha , \beta} \\ ]\alpha , \beta] \\ [\alpha , \beta[ \\ ]\alpha , \beta[ \end{cases}} \Box

    Como uma aplicação dos resultados anteriores vamos olhar para { {P(x)=a_nx^n+\cdots +a_1x+a_0}} com { {n}} ímpar e { {a_n > 0}}. Sabemos que é { {P(x)\sim a_nx^n}} para grandes valores (sejam eles positivos ou negativos) de { {x}}. Temos { {\displaystyle \lim_{x\rightarrow +\infty} P(x)=+\infty}} e { {\displaystyle \lim_{x\rightarrow -\infty} P(x)=-\infty}}.

    Uma vez que

    • { {P(x)}} é uma função contínua.
    • O domínio, { {D}} de { {P(x)}} é { {\mathbb{R}}} que é um intervalo.
    • { {\sup(D)=+\infty}} e { {\inf(D)=-\infty}}, o que implica que { {P[\mathbb{R}]=]-\infty, +\infty[}}

    Pelo Corolário 52 é { {0\in P[\mathbb{R}]}}. O que implica que todos os polinómios ímpares têm pelo menos um { {0}}.

    Teorema 54 {Continuidade da função inversa} Seja { {I}} um intervalo em { {\mathbb{R}}} e { {f:I\rightarrow\mathbb{R}}} uma função contínua e monótona. Então { {f^{-1}}} também é contínua e monótona.

    Demonstração: Omitida. \Box

    Este teorema tem muitas aplicações importantes e vamos utiliza-lo para definir as funções inversas das funções trigonométricas.

    — Arco seno —

    No intervalo { {[-\pi/2,\pi/2]}} a função { {\sin x}} é injectiva:

    Deste modo podemos definir o inverso da função seno neste domínio. Matematicamente representamos o inverso da função seno por {\arcsin}:

    \displaystyle y=\sin x\quad\mathrm{com}\quad x\in [\pi/2,\pi/2]\Leftrightarrow x=\arcsin x

    Uma vez que temos { {\sin x:[-\pi/2,\pi/2]\rightarrow[-1,1]}} vem que { {\arcsin x:[-1,1]\rightarrow [-\pi/2,\pi/2]}}. Usando o Teorema 54 { {\arcsin}} é contínua.

    A representação gráfica de { {\arcsin x}} é

    É evidente pelo gráfico que { {\arcsin x}} é uma função ímpar.

    — Arco tangente —

    No intervalo { {]-\pi/2,\pi/2[}} a função { {\tan x}} é injectiva:

    Deste modo podemos definir o inverso da função tangente neste domínio. Matematicamente representamos o inverso da função tangente por {\arctan}:

    \displaystyle y=\tan x\quad\mathrm{com}\quad x\in ]\pi/2,\pi/2[\Leftrightarrow x=\arctan x

    Uma vez que { {\tan x:]-\pi/2,\pi/2[\rightarrow]-\infty,+\infty[}} vem que { {\arctan x:]-\infty,+\infty[\rightarrow ]-\pi/2,\pi/2[}}. Usando o Teorema 54 {\arctan} é contínua.

    A representação gráfica de {\arctan} é

    É evidente pelo gráfico que {\arctan} é uma função ímpar.

    — Arco coseno —

    No intervalo { {[0,\pi]}} a função { {\cos x}} é injectiva:

    Deste modo podemos definir o inverso da função coseno neste domínio. Matematicamente representamos o inverso da função coseno por {\arccos}:

    \displaystyle y=\cos x\quad\mathrm{com}\quad x\in [0,\pi]\Leftrightarrow x=\arccos x

    Uma vez que { {\cos x:[0,\pi]\rightarrow[-1,1]}} vem que { {\arccos x:[-1,1]\rightarrow [0,\pi]}}. Usando o Teorema 54 {\arccos} é contínua.

    A representação gráfica de {\arccos} é

    Podemos ainda representar a função arco coseno usando a seguinte equação

    \displaystyle \cos=\sin(\pi/2-x)

    para escrever

    \displaystyle \arccos y=\frac{\pi}{2}-\arcsin y

    — 6.4. Funções contínuas e intervalos —

    Teorema 55 Seja { {[a,b]\subset \mathbb{R}}} e { {f:[a,b]\rightarrow\mathbb{R}}}. Então { {f}} tem um máximo e um mínimo.

    Demonstração: Seja { {E}} o contradomínio de { {f}} e { {s=\sup E}}. Pelo Teorema 17 no artigo Análise Matemática – Sucessões II existe uma sucessão { {y_n}} de pontos em { {E}} tal que { {\lim y_n=s}}.

    Uma vez que os termos de { {y_n}} são pontos de { {f}}, para cada { {n}} existe { {x_n\in [a,b]}} tal que { {y_=f(x_n)}}.

    Uma vez que { {x_n}} é uma sucessão cujo domínio é um intervalo compacto { {[a,b]}}, pelo Corolário 27 sabemos que existe uma subsucessão { {x_{\alpha n}}} de { {x_n}} que converge para um ponto de { {[a,b]}}.

    Seja { {c\in [a,b]}}tal que { {x_n\rightarrow c}}.

    Uma vez que { {f}} é contínua em { {c}} vem, pela definição de continuidade, que { {\lim f(x_{\alpha n})=f(c)}}. mas { {f(x_{\alpha n})=y_{\alpha n}}}, que é uma subsucessão de { {y_n}}. Visto que { {y_n\rightarrow s}} também é { {y_{\alpha n}\rightarrow s}}.

    Mas { {y_{\alpha n}=f(x_{\alpha n})\rightarrow f(c)}}.

    Concluindo vem que { {s=f(c)}}, logo { {s\in E}}. Ou seja { {s=\max E}}.

    Para o mínimo podemos construir uma prova análoga que fica como um exercício para o leitor. \Box

    Uma mnemónica útil para recordamos o teorema anterior é

    Funções contínuas têm um máximo e um mínimo num intervalo compacto.

    Teorema 56 Seja { {I}} um intervalo compacto de { {\mathbb{R}}} e { {f:I\rightarrow\mathbb{R}}} contínua. Então { {f(I)}} é um intervalo compacto.

    Demonstração: Pelo Corolário 53 { {f(I)}} é um intervalo. Pelo Teorema 55 { {f(I)}} tem um máximo e um mínimo.

    Assim { {f(I)}} é da forma { {[\alpha , \beta]}}.

    Logo { {f(I)}} é um intervalo limitado e fechado, que é a definição de um intervalo compacto. \Box

    O corolário anterior pode ser expressado da seguinte forma (mais uma mnemónica útil):

    Uma função contínua transforma intervalos compactos em intervalos compactos.

    Análise Matemática – Limites e Continuidade VI

    — 5. Exemplos de propriedades para funções contínuas —

    Definição 36 Seja {{D \subset \mathbb{R}}}; {{f: D\rightarrow \mathbb{R}}} e {{c \in D'\setminus D}}. Se {{\displaystyle \lim_{x\rightarrow c}f(x)=a\in \mathbb{R}}}, podemos definir o prolongamento por continuidade de {f}, que se representa por {{\tilde{f}}} como:

    \displaystyle \tilde{f}(x)=\begin{cases} f(x) \quad x \in D \\ a \quad x=c \end{cases} \ \ \ \ \ (47)

     

    Como uma aplicação da definição acima vamos estudar a função {{f(x)= \sin x/x}}. Temos {{D= \mathbb{R}\setminus \{0\}}}. Uma vez que {{\displaystyle\lim_{x \rightarrow 0} \sin x/x=1}} podemos definir {{\tilde{f}}} como

    \displaystyle \tilde{f}(x)=\begin{cases} \sin x/x \quad x \neq 0 \\ 1 \quad x=0 \end{cases}

    Como segundo exemplo temos {{f(x)=1/x}}. Uma vez que {{\displaystyle\lim_{x\rightarrow 0^+}f(x)=+\infty}} e {{\displaystyle\lim_{x\rightarrow 0^-}f(x)=-\infty}} não podemos definir {{\tilde{f}}} para {{1/x}}. Finalmente temos a função {{f(x)=1/x^2}}. Sabemos que é {{\displaystyle\lim_{x\rightarrow 0^+}f(x)=\displaystyle\lim_{x\rightarrow 0^-}f(x)=+\infty}}. Ainda que os limites sejam iguais não podemos definir {{\tilde{f}}}, visto que a função não é majorada. Em geral podemos dizer que dado {{f: D\rightarrow \mathbb{R}}} e {{c \in D'\setminus D}} {{\tilde{f}}} existe, sse {{\displaystyle\lim_{x \rightarrow c}f(x)}} existe e é finito.

    Teorema 42 Seja {{D \subset \mathbb{R}}}; {{f,g: D\rightarrow \mathbb{R}}} e {{c \in D}}. Se {{f}} e {{g}} são funções contínuas, então {{f+g}}, {{fg}} e (se {{g(c)\neq 0}}){{f/g}} também são funções contínuas.

    Demonstração: Vamos mostrar que {{fg}} é contínua e deixar os outros casos para o leitor. Seja {{x_n}} uma sucessão de pontos em {{D}} tal que {{x_n \rightarrow c}}. Então {{f(x_n) \rightarrow f(c)}} e {{g(x_n) \rightarrow c}} (dado que {{f}} e {{g}} são funções contínuas). Logo {{f(x_n)g(x_n) \rightarrow f(x)g(x)}} da propriedade {{6}} do Teorema 19. E isto é a nossa definição de uma função contínua. \Box

    Seja {{f(x)=5x^2-2x+4}}. Tomemos {{f_1(x)=5}}, {{f_2(x)=-2}} e {{f_3(x)=4}}. Já sabemos que as funções anteriores são funções contínuas. Ora {{f_4(x)=x^2}} e {{f_5(x)=x}} também são funções contínuas. {{f_6(x)=-2x}} é contínua visto ser o produto de {{2}} funções contínuas. Finalmente {{f(x)=5x^2-2x+4}} é contínua visto ser a soma de funções contínuas.

    Teorema 43 (Continuidade da Função Composta) Seja {{D, E \subset \mathbb{R}}}, {{g: D\rightarrow E}}, {{f: E \rightarrow \mathbb{R}}} e {{c \in D}}. Se {{g}} é contínua em {{c}} e {{f}} é contínua em {{g(c)}}, então a função composta {{f \circ g (x)=f(g(x)) }} é contínua em {{c}}.

    Demonstração: Seja {{x_n}} uma sucessão de pontos em {{D}} com {{x_n \rightarrow c}}. Assim {{\lim g(x_n)=g(c)}}. Se {{f}} é contínua em {{g(c)}} sabemos que {{\lim f(g(x_n))=f(g(c))}}. Isto é {{\lim (f \circ g)(x_n)= (f \circ g)(c)}}. Logo {{f \circ g}} é contínua em {{c}}. \Box

    Como uma aplicação do teorema anterior vamos estudar a função {{f(x)=a^x}}. Visto que {{a^x=e^{\log a^x}=e^{x \log a}}}, podemos escrever {{a^x=e^t \circ t=x\log a}}. {{f(t)=e^t}} é contínua e {{g(x)=x \log a}} também é contínua. Assim {{a^x}} também é contínua visto resultar da composição de duas funções contínuas. Pelo mesmo argumento também podemos mostrar que para {{\alpha \in \mathbb{R}}}, {{x^\alpha}} (com {{x \in \mathbb{R}^+}}) é contínua em {{\mathbb{R}^+}}.

    Teorema 44 Seja {{D, E \subset \mathbb{R}}}, {{g: D\rightarrow E}}, {{f: E \rightarrow \mathbb{R}}} e {{c \in D'}}. Suponha que {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow c}g(x)=a}} e que {{\displaystyle \lim_{t \rightarrow a}f(t)}} existe. Se {{f}} é contínua então {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow c}f(g(x))=\lim_{t \rightarrow a}f(t)}}.

    Demonstração: Demonstração omitida. \Box

    Calcule {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow +\infty} \sin (1/x)}}. Podemos escrever {{\sin (1/x)= \sin t \circ (t=1/x)}}. Uma vez que é {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow + \infty}(1/x)=0}} vem que, pelo Teorema 44 que, {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow +\infty} \sin (1/x)=\displaystyle\lim_{t \rightarrow 0}\sin t =0}}. Em geral podemos dizer que se {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} g(x)= a \in \mathbb{R}}} vem que {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} \sin (g(x))=\displaystyle\lim_{t \rightarrow a} \sin t = \sin a}}. Concluindo:

    \displaystyle \lim_{x \rightarrow c}\sin (g(x))=\sin (\lim_{x \rightarrow c}g(x))

    Vamos admitir que {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow c}g(x)=0}} e seja {{\tilde{f}}} a função que torna {{\sin x/x}} contínua em {{x=0}}. Temos {{\sin x =x \tilde{f}(x)}}, logo também é {{\sin g(x) = \tilde{f}(g(x))g(x)}}. Por definição {{\tilde{f}}} é contínua. Logo pelo Teorema 44 {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow c^+}f(g(x))=\displaystyle\lim_{t \rightarrow 0}\tilde{f}(t)=1}}. Assim podemos concluir que quando temos {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow c}g(x)=0}} vem que

    \displaystyle \sin (g(x))\sim g(x)\quad (x \rightarrow c)

    Por exemplo {{\sin (x^2-1) \sim (x^2-1)\quad (x \rightarrow 1)}}. Seja {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow c}g(x)=a \in \mathbb{R}}}. Pelo Teorema 44 é {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} e^{g(x)}=\lim_{t \rightarrow a}e^t=e^a}} (com as convenções {{e^{+\infty}=+\infty}} e {{e^{-\infty}=0}}). Logo {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow c}e^{g(x)}=e^{\displaystyle\lim_{x \rightarrow c}g(x)}}}. De forma análoga podemos mostrar que {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} \log g(x)= \log (\lim_{x \rightarrow c}g(x))}} com as convenções {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow +\infty} \log g(x)=+\infty}} e {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow 0} \log g(x)=-\infty}}). Seja {{a>1}}. Temos {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow +\infty}a^x =\displaystyle\lim_{x \rightarrow +\infty}e^{x\log a}=e^{\displaystyle\lim_{x \rightarrow +\infty} x\log a}=+\infty }} (visto {{\log a>0}}). Por outro lado, para {{\alpha > 0}} também é {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow +\infty}x^\alpha =\displaystyle\lim_{x \rightarrow +\infty}e^{\alpha \log x}= e^{\displaystyle \lim_{x \rightarrow +\infty}\alpha \log x}=+\infty}}. O que nós queremos saber é qual é o valor de {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow +\infty}\dfrac{a^x}{x^\alpha} }}, visto que a resposta a esta pergunta nos dirá qual das funções cresce mais rápido.

    Teorema 45 Seja {{ a<1}} e {{\alpha > 0}}. Então

    \displaystyle \lim_{x\to\infty}\frac{a^x}{x^\alpha}=+\infty \ \ \ \ \ (48)

      Demonstração: Seja {{b=a^{1/(2\alpha)}}} ({{b>1}}). É {{a=b^{2\alpha}}}. Uma vez que {{a^x=b^{2\alpha x}}}. Para além disso é {{\dfrac{a^x}{x^\alpha}=\dfrac{b^{2\alpha x}}{x^\alpha}=\dfrac{b^{2\alpha x}}{\sqrt{x}^{2\alpha}}}}. que é

    \displaystyle \frac{a^x}{x^\alpha}=\left( \frac{b^x}{\sqrt{x}} \right)^{2\alpha} \ \ \ \ \ (49)

      Seja {{[x]}} a parte inteira de {x} e usando a desigualdade de Bernoulli ({{b^m\geq 1+ m(b-1)}}) é {{b^x\geq x^{}[x]\geq 1+[x](b-1)>[x](b-1)>(x-1)(b-1)}}. Assim {{\dfrac{b^x}{\sqrt{x}}>\dfrac{x-1}{\sqrt{x}}(b-1)=\left( \sqrt{x}-1/\sqrt{x}\right)(b-1)}}. Uma vez que {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow +\infty}\left( \sqrt{x}-1/\sqrt{x}\right)(b-1)=+\infty}} segue do Teorema 32 que {{\displaystyle\lim_{x \rightarrow \infty} \frac{b^x}{\sqrt{x}}=+\infty}}. Usando 49 e tomando {{t=b^x/\sqrt{x}}} vem que {{\displaystyle\lim_{x \rightarrow \infty}\frac{a^x}{x^\alpha}=\displaystyle\lim_{t \rightarrow +\infty}t^{2\alpha}=+\infty}}. \Box

    Podemos sintetizar o conteúdo do teorema anterior na seguinte forma:

    A exponencial de base {>1} cresce mais rapidamente que qualquer potência do seu expoente.

    Corolário 46 Seja {{\alpha > 0}}, então

    \displaystyle \lim_{x \rightarrow +\infty}\frac{x^\alpha}{\log x}=+\infty

    Demonstração: Fica com um exercício para o leitor. Lembre-se de fazer a mudança de variável apropriada. \Box

    Teorema 47 Seja {{a>1}}, então {{\displaystyle \lim \frac{a^n}{n!}}}=0.

    Demonstração: Primeiro relembramos que {{\log n!=n\log n -n + O(\log n)}} que é a aproximação de Stirling. Uma vez que {{\dfrac{\log n}{n} \rightarrow 0}} também é {{\dfrac{O(\log n)}{n} \rightarrow 0}}. e

    \displaystyle \dfrac{a^n}{n!}=e^{\log (a^n/n!)}=e^{n\log a - \log n!}

    Logo

    \displaystyle \lim \dfrac{a^n}{n!}=e^{\lim(n\log a - \log n!)}

    Para o argumento da função exponencial é {{\begin{aligned} \lim(n\log a - \log n!) &= \lim n\log a-n\log n+n-O(\log n) \\ &=\lim \left(n\left(\log a -\log n+1 -\dfrac{O(\log n)}{n}\right)\right) \\ &=+\infty\times -\infty=-\infty \end{aligned}}}

    O que resulta em {{\displaystyle \lim \frac{a^n}{n!}=e^{-\infty}=0}}. \Box

    Lema 48

    \displaystyle \lim_{x \rightarrow +\infty}\left( 1+\frac{1}{x}\right)^x=e \ \ \ \ \ (50)

      Demonstração: Demonstração omitida. \Box

    Teorema 49

    \displaystyle \lim_{x \rightarrow 0}\frac{\log (1+x)}{x}=1 \ \ \ \ \ (51)

      Demonstração: Será demonstrado como um exercício. \Box

    Corolário 50

    \displaystyle \lim_{x \rightarrow 0}\frac{e^x-1}{x}=1 \ \ \ \ \ (52)

      Demonstração: Deixado como um exercício para o leitor. Faça a mudança de variável {{e^x=t+1}} e use o Teorema 49 \Box

    Generalizando os resultados anteriores podemos escrever:

    • {{\sin g(x) \sim g(x) \quad (x \rightarrow c)}} se {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} g(x)=0}}
    • {{\log (1+g(x)) \sim g(x) \quad (x \rightarrow c)}} se {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} g(x)=0}}
    • {{e^{g(x)}-1 \sim g(x) \quad (x \rightarrow c)}} se {{\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} g(x)=0}}
    %d bloggers gostam disto: