Luso Academia

Início » Posts tagged 'função Dirichelet'

Tag Archives: função Dirichelet

Análise Matemática – Limites e Continuidade V

A condição {\epsilon\delta}, por si só, é algo que não é fácil de entender pela primeira vez para a maior parte das pessoas. Se a isso adicionarmos a semelhança entre a definição {\epsilon\delta} para limites e a definição {\epsilon\delta} para continuidade pode aumentar a incompreensão deste conceito tão importante nos alunos.

De forma a tentarmos contrariar essa tendência vamos apresentar alguns exemplos da condição {\epsilon\delta}.

— 4.7. {\epsilon\delta} para continuidade —

Vamos iniciar o nosso estudo com um exemplo muito simples.

Seja {f(x)=\alpha} (que é uma função obviamente contínua!).

O ponto de utilizarmos o argumento {\epsilon\delta} para este caso é tornarmos os alunos confortáveis com este tipo de raciocínio. Em termos técnicos o que nós pretendemos fazer é mostrar que independentemente do {\delta} escolhido conseguimos sempre encontrar um {\epsilon} que satisfaz o critério de Heine para a continuidade.

Voltando à nossa função {f(x)=\alpha} vem que {|f(x)-f(c)| < \delta}. Neste caso temos {f(x)=f(c)=\alpha}. Assim

{\begin{aligned} |f(x)-f(c)| &< \delta \\ |\alpha-\alpha| &< \delta \\ |0| &< \delta \\ 0 &< \delta \end{aligned}}

Que é trivialmente válido, uma vez que {\delta > 0} por hipótese. Assim qualquer valor positivo de {\epsilon} satisfaz o critério de Heine para a continuidade e {f(x)=\alpha} é contínua em {c}.

Uma vez que nunca fizemos qualquer assunção relativamente a {c} para além de que {c \in {\mathbb R}} podemos concluir que {f(x)=\alpha} é contínua em todos os pontos do seu domínio.

Vamos agora analisar {f(x)=x} e novamente vamos estudar a continuidade no ponto {c} ({f(c)=c}):

{\begin{aligned} |f(x)-f(c)| &< \delta \\ |x-c| &< \delta \end{aligned}}

A última expressão é exactamente o que queremos: uma expressão da forma {x-c} (a primeira parte do critério {\epsilon\delta}).

Se tomarmos {\epsilon=\delta} fica então {|x-c| < \epsilon} o que completa a nossa demonstração que {f(x)=x} é contínua em {c}.

Mais uma vez não fizemos nenhuma assunção relativamente à natureza de {c} para além de que {c \in {\mathbb R}} e como tal concluímos que {f(x)=x} é contínua no seu domínio.

Vamos agora olhar para funções da forma {f(x)=\alpha x + \beta} e estudar a continuidade de {f(x)} em {c}.

{\begin{aligned} |f(x)-f(c)| &< \delta \\ |\alpha x + \beta-(\alpha c + \beta)| &< \delta \\ |\alpha x -\alpha c| &< \delta \\ |\alpha||x-c| &< \delta \\ |x-c| &< \dfrac{\delta}{|\alpha|} \end{aligned}}

Se tomarmos {\epsilon=|\delta|/ |\alpha|} vem que {|x-c|< \epsilon} e {f(x)=\alpha x + \beta} é contínua em {c}.

Como um exemplo final do critério de Heine para a continuidade vamos olhar para a função {f(x)=\sin x}.

{\begin{aligned} |f(x)-f(c)| &< \delta \\ |\sin x-\sin c| &< \delta \end{aligned}}

Uma vez que queremos algo da forma {|x-c| < g(\delta)} a última expressão não nos é útil.

Neste caso temos que tomar uma alternativa que ainda assim tem o mesmo espírito que temos usado até agora.

Dada à novidade deste método pedimos aos leitores que prestem muita atenção à dedução e que se certifiquem que percebem todos os passos.

{\begin{aligned} |\sin x-\sin c| &= 2\left| \cos\left( \dfrac{x+c}{2}\right)\right| \left| \sin\left( \dfrac{x-c}{2}\right)\right|\\ &< 2\left| \sin\left( \dfrac{x-c}{2}\right)\right| \end{aligned}}

Uma vez que {x \rightarrow c} sabemos que em algum momento {\dfrac{x-c}{2}} vai estar no primeiro quadrante. Assim

{\begin{aligned} 2\left| \sin\left( \dfrac{x-c}{2}\right)\right| &< 2\left|\dfrac{x-c}{2}\right| \\ &= |x-c|\\ &< \epsilon \end{aligned}}

Onde a última desigualdade é válida por hipótese.

Quer isto dizer que se tomarmos {\epsilon=\delta} fica {|x-c|<\epsilon \Rightarrow | \sin x - \sin x | < \delta} que é a condição {\epsilon\delta} para a continuidade.

— 4.8. {\epsilon\delta} para limites —

Nesta subsecção vamos utilizar o mesmo procedimento que utilizámos na subsecção anterior, mas com as devidas adaptações para o caso dos limites.

Seja {f(x)=2}. Queremos mostrar que {\displaystyle \lim_{x \rightarrow 1}f(x)=2}.

{\begin{aligned} |f(x)-2| &< \delta \\ |2-2| &< \delta \\ 0 &< \delta \end{aligned}}

Que é trivialmente válido para qualquer valor de {\delta}, assim {\epsilon} pode ser um número positivo qualquer.

Seja {f(x)=2x+3}. Queremos mostrar que {\displaystyle \lim_{x \rightarrow 1}f(x)=5}.

{\begin{aligned} |f(x)-5| &< \delta \\ |2x+3-5| &< \delta \\ |2x-2| &< \delta \\ 2|x-1| &< \delta \\ |x-1| &< \dfrac{\delta}{2} \end{aligned}}

Com {\epsilon=\delta/2} satisfazemos a condição {\epsilon\delta} para limites.

Como um exemplo final vamos olhar para a função de Dirichlet modificada que foi introduzida em Análise Matemática Limites e Continuidade III.

\displaystyle f(x) = \begin{cases} o \quad x \in \mathbb{Q}\\ x \quad x \in \mathbb{R}\setminus \mathbb{Q} \end{cases}

Nesse artigo demonstrámos que para {a \neq 0} o limite {\displaystyle\lim_{x\rightarrow a}f(x)} não existe e prometemos que num artigo futuro iríamos mostrar que {\displaystyle\lim_{x \rightarrow 0}f(x)=0} usando a condição {\epsilon\delta}:

{\begin{aligned} |f(x)-f(0)| &< \delta \\ |f(x)-0| &< \delta \end{aligned}}

Uma vez que {f(x)=0} ou {f(x)=x} vamos atacar este problema usando estas duas possibilidades.

No primeiro caso é {|0-0|<\delta} que é trivialmente válido e assim {\epsilon} pode ser um número positivo qualquer.

No segundo caso é {|x-0|<\delta}. Tomando {\epsilon=\delta} faz com que se respeite o critério de Heine.

Uma vez que mostramos que {\displaystyle\lim_{x \rightarrow 0}f(x)=0=f(0)} a conclusão é que a função de Dirichlet modificada é somente contínua em {x=0}.