Matemática, muito estranha?
“Eis uma questão que merece reflexão: existe mesmo um conhecimento que não dependa da experiência e das impressões dos sentidos?”
Immanuel Kant
Em 2006, o mundo Matemático explodiu, uma notícia aterrizou como uma nave na comunidade científica, a famosa conjectura de Poincaré acabara de ser resolvida, um problema que baralhara as melhores mentes por quase um século e que, embora provada ser verdadeira para muitas dimensões restava ainda uma última pedra a ser colocada no edifício, a terceira dimensão, a nossa, o problema, em linguagem comum ” quais são as formas que um espaço tridimensional imerso em um quadridimensional pode tomar?”, grosso modo, ” quais são as possiveis formas que o nosso universo pode ter?”, acabava de ser resolvida. Seu solucionador, Gricha Perelmam, matemático russo, brilhante, génial e simultaneamente, estranho, recluso, um eremita social, o típico estereótipo de um génio louco, insocial, que não se encaixa na sociedade moderna consumista e individualista, que além de ter ignorado os canais científicos apropriados para a publicação de tamanha descoberta também renunciou as glórias materias que tal descobeta lhe proporcionariam. A comunidade matemática, totalmente desconcertada com a solução quase incompreensível dada por ele, tinha ainda de lidar ao mesmo tempo com a imprensa, já que as lendas haviam começado e especulações surgiam sobre o significado real e práctico da prova de Perelmam. Para alguns, ele mostrava definitivamente qual era a forma do universo, para outros não tanto preocupados com os resultados em si ou com uma análise rigorosa deles, sublinhavam entretanto o facto de que Perelmam era um rebelde, anarquista científico, um Matemático punk, inconformado, que não se dobra as imposições materialistas do capitalismo.
Findo o frenesim, restava ainda uma questão a ser respondida, o que afinal este senhor fez? Qual é o real significado de seu trabalho? E talvez ainda de forma mais estranha, como é que ele um mero mortal, fruto do barro, conseguiu a partir da manipulação de simples rabiscos em um quadro negro inferir as possiveis formas que o universo pode ter? Será que de alguma forma aqueles símbolos estavam vivos? Se sim, o que lhes deu vida, que fogo divino incendiou aquelas fórmulas e as tornou capazes de nos desvendar a realidade? Afinal, porquê a matemática funciona, de uma maneira estranha e curiosa, eficazmente como ferramenta para se descrever o mundo?
Antes de pensarmos sequer em responder às questões acima levantadas, se é que existem respostas para elas, devemos recuar um pouco na história até a pré-história: a nossa história começa em uma gruta, em algum lugar no mundo. Os homens, sempre tiveram a necessidade de prever as coisas, e dessa maneira, o poder de reconhecer padrões na natureza sempre foi uma mais valia que ajudou o desenvolvimento do homem, ao mesmo tempo, as exigências do dia a dia, isto é, o simples acto de agrupamento de animais numa sociedade de colectores exigia deles cada vez mais o reconhecimento de certas relações que haviam entre elas. Não sabemos ao certo quando os homens começaram a contar, apenas podemos especular que o processo, seja a contagem de animais ou outras coisas úteis às comunidade primitivas, eram de certa forma conectadas com as pedras, cada uma delas representando um animal, ou riscos em um pedaço de pau, cada um deles representando um objecto que se quer contar, infelizmente, por mais simples que pareça para nós hoje, o passo decisivo, que era o de se abstrair de todos aqueles métodos o conceito de “número”, não foi feito e os questionamentos mais profundos, seja por limitações da linguagem que estava num processo de desenvolivimento ou por não ser útil, foram simplesmente inexistentes.
O próximo passo foi dado pelas civilizações do Oriente próximo e as sociedades que surgiram a partir delas, lá vemos as primeiras sociededas devotadas ao estudo de pequenas extruturas que lhes permitiam medir coisas, ciência essa que ficou sem nome e que consistia essencialmente numa série de procedimentos mecânicos e algorítimicos. Os Egípcios foram os verdadeiros mestres nisso, afinal as pirâmides exigiam conhecimentos de natureza númerica muito elevada e eles compilaram uma série de procedimentos para se facilitar o processo. Um facto muito interessante e um pouco desconcertante, é que tanto Egípcios, Babilônios, Incas, Aztecas, Chineses e até outros povos na África profunda, chegaram a descobrir as mesmas verdades e relações númericas fundamentais que existiam entre as diversas coisas, um exemplo muito interessante é o famoso teorema de Pitágoras que já era conhecido pelos Chineses e Egípcios, muito antes sequer de Pitágoras ter existido, o que suscita questionamentos profundos, como se de facto estas relações fundamentais sempre estivessem estado aí a espera de serem descobertas e que elas independem totalmente de nossas mentes.
O passo seguinte na evolução desses conhecimentos surge numa zona a que hoje chamamos Grécia, na época, um conjunto de estados vizinhos, que apesar de possuírem a mesma religião, isto é, venerarem os mesmos deuses, falarem a mesma língua e admirarem os mesmos heróis Homéricos, sempre estavam em guerra. Lá, uma classe de mercadores que ia constantemente ao Egipto e entrara em contacto com as descobertas e ideias da civilização faraônica, acabou por causar um renascimento intelectual e talvez a primeira grande revolução significativa no mundo Ocidetal, tomando emprestado os conhecimentos e procedimentos Egípcios para a solução numérica de certos problemas, atribuíram-lhe um nome especial, Matemática, que traduzido do grego significa mais ou menos algo como “inclinado a aprender”. Com os Gregos, levados pela revolução no pensamento que estavam a observar, esse corpo de conhecimentos foi expandido, estudado, sistematizado pela primeira vez, de uma série de procedimentos muitas vezes dispersos, isolou-se uma matriz comum, e criaram-se os axiomas, verdades indubitáveis e evidentes, que serviriam de bloco para a construção de conhecimentos mais complexos, não usando outra coisa, senão a razão, agora sujeita a regras claras de pensamento, a lógica. Nela se destacam dois pensadores geniais, Pitágoras, o famoso matemático, que também era místico e sacerdote de uma seita exotérica, acreditava, após observar o modo como a Matemática estava relacionada com o mundo, que a unidade fundamental da realidade é o número, tudo é número, e as coisas surgiriam pela combinaçâo destes, outro sucessor de Pitágoras, embora não alinhado com suas ideias pouco ortodoxas foi Platão que acreditava que esse mundo era apenas uma cópia imperfeita de uma realidade mais perfeita, o famoso mundo das ideias, acessível ao homem apenas depois da morte, porque o corpo manchado pela carne não podia pois ascender a perfeição, apenas a ideia pura, i.e., a alma, poderia atingir esse mundo, daí concluiu Platão que o que havia em comum, por exemplo, entre um par de sandálias e um outro de pães, era a ideia do número dois, desse modo a Matemática seria um modo de descrevermos a verdadeira realidade, esse mundo inteligivel, que não era aberto aos nossos olhos, assim, a matemática deve existir fora de nossa mente, pois ela faz parte do mundo das ideias, essa visã ficou conhecida como Platonismo e hoje eu posso afirmar com bastante certeza que ela é a visão de boa parte dos matemáticos.
Mas, a evolução levada a cabo pelos gregos, Pitágoras e Platão, por si só não respondeu de maneira satisfatória de o por que ela funcionar de um modo desconcertante, mais tarde Eugene Wigner diria que essa é uma dádiva que nós não merecemos, é que, escondido entre o emaranhado de símbolos algébricos existe um significado e nós sempre retiramos dalí mais do que nós colocamos. Seja com Newton e sua teoria da gravitação que foi verificada como certa em uma parte por milhão, ou as leis de Kepler deduzidas de simples observações pouco rigorosas e cheias de superstições astrológicas, até mesmo a moderna mecânica quântica, que pela natureza quase invisível dos objectos por ela tratados, e do deconhecimento aberrante do modo como eles funcionam, temos de cada vez mais confiar em equações para obtermos um conhecimento do modo como elas realmente se comportam, enfim, a matemática é realmente estranha, e mais estranha ainda é ela funcionar, infelizmente eu não sei as respostas todas, mas eu penso que uma compreensão sobre a estranheza da matemática é um primeiro passo para uma verdadeira compreensão do modo como a realidade funciona. No fundo, ela é o único meio que possuimos para desvendarmos o profundo e escondido no universo, e diriam alguns, talvez ela mesma seja a nossa realidade.