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Tópicos de Física Moderna – Parte I

— Introdução —

O objectivo destes apontamentos é servirem de apoio aos estudantes do Engenharia Informática da Faculdade de Engenharia da Universidade Católica de Angola numa breve introdução aos conceitos de Física Moderna.
Uma vez que neste apontamentos os alunos não encontrarão exercícios resolvidos, para além de alguns simples exemplos, e que nem tudo o que será dito nas aulas constará destes apontamentos (a escassez de diagramas é, talvez, a sua falha mais evidente e os poucos diagramas que se encontram nestas folhas devem-se aos livros que constam da bibliografia) a presença nas aulas é fortemente recomendada.

Como se tal não bastasse, nem tudo que será escrito nestes apontamentos será dito nas aulas, e assim a relação entre os apontamentos e as aulas é de complementaridade.

O objectivo deste curso é introduzir alguns conceitos de Física Moderna de uma forma acessível. Como tal será feita uma breve revisão de alguns conceitos, pressupostos e resultados da mecânica clássica, ainda que utilizando alguma terminologia e conceitos mais modernos, e só depois a Física Relativista e Física Quântica serão introduzidas e estudadas.

Os temas que iremos tratar ao longo deste curso serão (quase) sempre introduzidos da mesma maneira: umas quantas definições de conceitos iniciais, uma exposição dos axiomas que regulam o comportamento das entidades definidas e os resultados que se seguem após o enunciado dos axiomas.

Sei bem que esta não é a maneira corrente de ensinar muitos destes tópicos a um nível introdutório, mas escolhi assim fazê-lo porque tal permite brevidade de exposição dos temas tratados e porque me parece que as teorias assim retratadas são manifestamente mais elegantes.

Espero que o que se ganhe em tempo e elegância não seja compensado por uma correspondente perda em pedagogia.

Aos alunos mais interessados recomenda-se a leitura do livro de A. Einstein e L. Infeld A Evolução da Física.

— Desiderata —

Apesar de ao longo do nosso curso nós praticamente não considerarmos experiências, a Física é, acima de tudo, uma ciência exacta e experimental. Assim sendo o seu objectivo deve ser a codificação de um conjuntos de dados experimentais por meio de modelos que permitam uma interpretação dos fenómenos que se decide estudar.

Um facto extraordinário é que a partir da codificação e interpretação de um certo conjunto de dados iniciais por parte de um modelo podemos utilizar esse mesmo modelo para prevermos uma nova classe de fenómenos. O confronto destas previsões com resultados experimentais permitirá concluir qual o domínio de validade da teoria construída.

Vamos então codificar os dados experimentais e construir um modelo que nos permita explicar e entender uma parte do mundo que temos à nossa volta.

— 1. Considerações Iniciais —

Podemos dizer sem estarmos muito longe da verdade que a Física fundamental moderna tem na sua essência três concepções fundamentais:

  1. O conceito de campo.
  2. A Relatividade.
  3. A Física Quântica

O conceito de campo é comum à praticamente todo o nosso curso por isso vamos já defino-lo:

Definição 1 Campo é um objecto matemático que tem um valor definido num dado conjunto de pontos do espaço.
Definição 2 Um campo diz-se vectorial quando os seus valores são grandezas vectoriais.
Definição 3 Um campo diz-se escalar quando os seus valores são grandezas escalares.

As equações de campo que vamos descrever representam sempre interacções lineares. Assim podemos considerar cada interacção proveniente de um campo como sendo independente das outras interacções e a resultante é simplesmente a soma de todas as interacções.

Associada ao conceito de campo temos o conceito de energia potencial . Esta energia deve-se à interacção da partícula com o campo {\vec{A}} e em geral é proporcional a {\displaystyle\int_a^b\vec{A}\cdot d\vec{s}} onde {d\vec{s}} é o vector deslocamento infinitesimal.

— 2. Mecânica —

A Mecânica Newtoniana é a primeira teoria Física que vamos estudar. Surgiu no século XVII, ganhou maturidade nos séculos XVIII e XIX e rejuvenesceu no século XX.

Este primeiro capítulo será uma introdução muito breve e superficial dos seus triunfos e resultados, mas ainda assim espero demonstrar alguma da sua extrema elegância e profundidade.

— 2.1. Conceitos Básicos e Definições Preliminares —

Todas as grandezas mecânicas podem ser expressas em unidades que derivam das unidades das três grandezas seguintes:

  • Comprimento que se representa pela letra {L}.
  • Tempo que se representa pela letra {T}.
  • Massa que se representa pela letra {M}. Na mecânica clássica a massa de um corpo é uma indicação da sua resistência a alterar o seu estado de movimento. Esta característica tem o nome de inércia .

As unidades que utilizámos para expressar estas grandezas não têm nada de essencial e são puramente convencionais. Neste curso iremos utilizar o sistema internacional e vem que {\left[ L \right] =m}, {\left[ T \right] =s} e {\left[ M \right] = \mathrm{Kg}}.

Definição 4

Um referencial é um conjunto de eixos que permitem representar os graus de liberdade do sistema em estudo e um ponto arbitrário que serve como origem.

Definição 5 Um referencial diz-se inercial : quando possui as seguintes propriedades:

  • Espaço é homogéneo (todos os pontos são equivalentes) e isotrópico (não existem direcções privilegiadas).
  • Tempo é homogéneo (todos os instantes de tempo são equivalentes).
Definição 6 Posição é o lugar geométrico que a partícula ocupa num dado instante de tempo num referencial.
Definição 7 Trajectória é o lugar geométrico das sucessivas posições que a partícula ocupa num intervalo de tempo.
Definição 8 Deslocamento é a diferença entre a posição final e a posição inicial de uma partícula. Normalmente representamos o deslocamento através do símbolo {\Delta \vec{x}}.

Sabemos pela experiência que os corpos se deslocam percorrendo deslocamentos diferentes em intervalos de tempo diferentes. O conceito que relaciona a variação da posição de uma partícula com o intervalo de tempo necessário para essa variação ocorrer é chamado de velocidade . Mas em física convém sermos mais rigorosos e definirmos dois tipos diferentes de velocidade.

Definição 9 Velocidade média : grandeza vectorial que permite calcular a taxa de variação da posição para um dado intervalo de tempo.

\displaystyle \vec{v}_m=\dfrac{\Delta \vec{x}}{\Delta t} \ \ \ \ \ (1)

Definição 10 Velocidade instantânea : grandeza vectorial que permite calcular a variação da posição para um dado instante de tempo.

\displaystyle \vec{v}=\lim_{\Delta t\rightarrow 0}\dfrac{\Delta \vec{x}}{\Delta t}=\dfrac{d\vec{x}}{dt} \ \ \ \ \ (2)

Uma vez que a velocidade das partículas também varia, fenómeno que recebe o nome de aceleração }, podemos introduzir as seguintes definições:

Definição 11 Aceleração média : grandeza vectorial que permite calcular a taxa de variação da velocidade para um dado intervalo de tempo.

\displaystyle \vec{a}_m=\dfrac{\Delta \vec{v}}{\Delta t} \ \ \ \ \ (3)

Definição 12 Aceleração instantânea : grandeza vectorial que permite calcular a variação da velocidade para um dado instante de tempo.

\displaystyle \vec{a}=\lim_{\Delta t\rightarrow 0}\dfrac{\Delta \vec{v}}{\Delta t}=\dfrac{d\vec{v}}{dt} \ \ \ \ \ (4)

Convém ainda dizer que normalmente diz-se apenas velocidade (aceleração) em vez de velocidade instantânea (aceleração instantânea).

Associado ao conceito de velocidade temos dois conceitos físicos. Um deles escalar, e portanto fornece menos informação sobre o movimento da partícula, e o outro vectorial.

Definição 13 Energia cinética : energia associada ao movimento de uma partícula e defini-se como sendo:

\displaystyle K=\dfrac{1}{2}m\vec{v}\cdot\vec{v}=\dfrac{1}{2}mv^2=\dfrac{1}{2}m\left( \dfrac{d\vec{x}}{dt}\right)^2 \ \ \ \ \ (5)

Definição 14 Momento linear : grandeza vectorial associada ao movimento de uma partícula.

\displaystyle \vec{p}=m \vec{v}=m \dfrac{d\vec{x}}{dt} \ \ \ \ \ (6)

Vemos então o porquê da afirmação da energia cinética conter menos informação sobre o movimento da partícula do que o movimento linear. Pela sua definição a energia cinética não nos dá informação sobre a direcção da velocidade da partícula enquanto que o momento linear nos diz tanto a direcção e a magnitude da velocidade.

Em termos mais prosaicos: o momento linear diz para onde vai a partícula e com que velocidade vai. A energia cinética apenas nos diz com que velocidade vai a partícula.

Definição 15

O estado mecânico de uma partícula é especificado através da determinação simultânea e de precisão infinita das suas coordenadas e do seu momento linear.

— 2.2. Axiomas de Newton —

Até ao momento temos os intervenientes da nossa peça mas ainda não temos as regras que deverão guiar as suas interacções. Estas regras são dadas pelos três axiomas de Newton.

Axioma 1 Existe um referencial inercial onde o momento linear de uma partícula livre mantém sempre o mesmo valor.

Este enunciado não é o que habitualmente se apresenta como a “Primeira Lei de Newton”. Convém então dar uma explicação do porquê da forma deste enunciado.

Anteriormente definimos um referencial inercial, mas a definição que demos é de carácter puramente matemático. Nada neste mundo implica a existência da estrutura matemática que definimos e a função da “Primeira Lei de Newton” é exactamente estipular a existência de um tal referencial no mundo em que habitamos. A justificação desta arrojada hipótese é o espectacular acerto das previsões que a teoria de Newton faz e os resultados obtidos em experiências.

De notar que o habitual enunciado da “Primeira Lei de Newton” está errado em referenciais não inerciais. Uma vez que o habitual enunciado não especifica a que tipo de referencial se refere também ele está, consequentemente, errado.

Outro pormenor interessante é que o Axioma 1 apenas exige a existência de um referencial inercial, mas podemos concluir que existe um número infinito de referenciais inerciais.

Sabemos que num referencial inercial o espaço é homogéneo e isotrópico e que o tempo é homogéneo. Assim sendo o ponto que escolhemos como origem nada tem de especial e podemos efectuar uma translação para um outro ponto qualquer e passar a considerar esse novo ponto como sendo a origem de um novo referencial inercial.

Para além disso podemos rodar todos os nossos eixos em simultâneo e obter novos eixos. Estes novos eixos apenas se distinguem dos antigos por terem novas direcções. Uma vez que o espaço é isotrópico tal facto não acarreta nada de novo e assim este novo referencial continua a ser inercial.

Outra transformação que podemos fazer é obter um referencial que se mova com velocidade constante relativamente ao primeiro referencial. Novamente este situação nada tem de novo e os referenciais continuam a ser equivalentes.

Uma vez que o tempo é homogéneo o instante de tempo que se convencionou ser {0} nada tem de especial. Ou seja um referencial que se obtém de um referencial inercial, alterando o que se considera como sendo o instante inicial, também é um referencial inercial.

Para finalizar temos ainda que dizer que qualquer composição destas transformações também produz um referencial inercial.

Axioma 2

Se o momento linear de uma partícula varia num referencial inercial diz-se que essa partícula foi actuada por uma força, {\vec{F}}, que se calcula utilizando a seguinte expressão: {\vec{F}= \dfrac{d\vec{p}}{dt}}.

Este axioma reduz-se a {\vec{F}=m\vec{a}} quando a massa da partícula é constante. No que se segue iremos sempre considerar que a massa da partícula é constante.

Axioma 3

Quando dois objectos interagem entre si a força {\vec{F}_{12}} (força que o objecto 1 exerce sobre o objecto 2) tem a mesma direcção, é igual em intensidade à força {\vec{F}_{21}} (força que o objecto 2 exerce sobre o objecto 1), mas tem o sentido oposto. {\vec{F}_{12}=-\vec{F}_{21}}

— 2.3. Cinemática e Dinâmica —

Nesta secção vamos introduzir muito esquematicamente considerações que visam descrever e explicar o movimento de uma partícula.

— 2.3.1. Equações de Movimento —

Das definições de aceleração e velocidade que introduzimos na secção 2 resulta o seguinte

\displaystyle d\vec{v}= \vec{a}dt \Rightarrow \int_{t_0}^t d\vec{v}= \int_{t_0}^t \vec{a}dt \Rightarrow \vec{v}(t)-\vec{v}(t_0)=\int_{t_0}^t \vec{a}dt \ \ \ \ \ (7)

Uma vez que a relação funcional da aceleração em função do tempo não é conhecida o lado direito da última igualdade não pode ser calculado.

Temos ainda

\displaystyle d\vec{x}= \vec{v}dt \Rightarrow \int_{t_0}^t d\vec{x}= \int_{t_0}^t \vec{v}dt \Rightarrow \vec{x}(t)-\vec{x}(t_0)=\int_{t_0}^t \vec{v}dt \ \ \ \ \ (8)

Onde também não prosseguimos o cálculo visto que desconhecemos a expressão {\vec{v}(t)}.

Se consideramos que {\vec{a}} é constante no tempo (movimento uniformemente acelerado)podemos resolver a equação 2, { \vec{v}=\vec{v}_0+\vec{a}(t-t_0)}, e após substituição na equação 8 obtemos

\displaystyle \vec{x}(t)=\vec{x}_0+\vec{v}_0(t-t_0)+\frac{1}{2}\vec{a}(t-t_0)^2 \ \ \ \ \ (9)

No caso {\vec{a}=\vec{0}} o movimento diz-se rectilíneo uniforme.

— 2.3.2. Transformações de Galileu —

Tínhamos visto após o axioma 1 que existe uma infinidade de referenciais inerciais. Faz então sentido perguntarmo-nos como podemos saber as coordenadas e velocidade de um ponto material num segundo referencial inercial.

Imaginemos que temos dois referenciais {S} e {S'} cujas origens coincidem no instante de tempo que convencionámos tomar como origem do tempo. Para além disso {S'} move-se com uma velocidade {\vec{v}_0} relativamente a {S}.

transformacaogalileu

Pela adição de vectores é {\vec{v}_0 t+\vec{r}'=\vec{r}} que podemos escrever na forma de componentes:

{\begin{aligned} x' & = & x-v_{0x}t\\ y' & = & y-v_{0y}t\\ z' & = & z-v_{0z}t \end{aligned}}

Derivando as anteriores equações em ordem ao tempo

{\begin{aligned} v'_x & = & v_x-v_{0x}\\ v'_y & = & v_y-v_{0y}\\ v'_z & = & v_z-v_{0z} \end{aligned}}

As transformações de Galileu são equivalentes à afirmação que a forma das equações da Mecânica não depende do referencial inercial que se escolhe para estudar o movimento.

— 2.3.3. Movimento circular —

Uma vez que a velocidade é uma grandeza vectorial uma partícula diz-se acelerada não só quando a velocidade varia em módulo mas também quando varia em direcção.

Para o movimento ser circular tem que existir uma força que se chama força radial, { \vec{F}_r }, que em todos os pontos da trajectória da partícula tem a direcção do centro. Esta força causa uma aceleração radial, também chamada centrípeta, cuja expressão matemática é {a_c=v^2/r}.

A aceleração responsável pela variação da velocidade em módulo é a aceleração tangencial, {a_t}.

— 2.4. Campo Gravítico —

A lei da gravitação universal diz que todas as partículas do Universo atraem todas as outras partículas do Universo com uma força que é inversamente proporcional ao quadrado da distância que as separa e directamente proporcional ao produto das suas massas.

Enunciada desta forma esta lei tem o problema de implicar que a interacção gravítica é instantânea. Para solucionarmos este problema vamos apresentar a gravidade como sendo um propriedade emergente de um campo.

Definição 16 Campo Gravítico: Campo vectorial, {\vec{g}}, criado por um corpo de massa {m_1} em todos os pontos do espaço (excepto no ponto onde se encontra) que é responsável pela interacção gravítica.

\displaystyle \vec{g}=G\frac{m_1}{r^2}\hat{r} \ \ \ \ \ (10)

Quando uma partícula de massa {m_2} é colocada num ponto do espaço onde existe um campo gravítico {\vec{g}} a partícula interage com este campo gravítico. Ao interagir com o campo gravítico a partícula de massa {m_2} fica sob a acção de uma força {\vec{F}_g} cuja expressão matemática é

\displaystyle \vec{F}_g=\vec{g}m_2=G \frac{m_1 m_2}{r^2}\hat{r} \ \ \ \ \ (11)

Onde {\hat{r}} é um vector unitário com a direcção da recta que une as duas partículas e com sentido a apontar para {m_1}.

Para o caso particular de um corpo de massa {m} que esta a {h} metros da superfície da Terra sujeito à sua atracção gravitacional é

\displaystyle F_g=G \frac{M_T m}{(R_t+h)^2}

Recordando que {\vec{F}=m\vec{a}} para corpos de massa constante podemos escrever que a intensidade da aceleração da gravidade é

\displaystyle g=G\frac{M_T}{(R_t+h)^2}

.

Definição 17

Quando dois corpos de massa {m_1} e massa {m_2} interagem graviticamente estabelece-se entre eles uma energia derivada do campo gravítico. Esta energia tem o nome de energia potencial gravítica e a sua expressão matemática é

\displaystyle U=-G \frac{m_1 m_2}{r} \ \ \ \ \ (12)


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