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Mecânica Quântica – Revisões V

— 16. Formalismo newtoniano e Equações de Euler-Lagrange —

Como vimos no artigo Mecânica Quântica Revisões IV ao utilizar as equações de Euler-Lagrange que descrevem um sistema mecânico chegamos às mesmas equações do formalismo newtoniao.

O objectivo deste secção é demonstrar de uma forma mais rigorosa que ambas as formulações da mecânica clássica são de facto equivalentes (ou dizendo de forma mais exacta: quais são as condições que tornam o formalismo newtoniano e o formalismo lagrangiano equivalentes para a mecânica clássica).

Já sabemos que é { {\dfrac{\partial L}{\partial x_i}-\dfrac{d}{dt}\dfrac{\partial L}{\partial \dot{x}_i}=0 }} para { {i=1,2,3}}. Usando a definição de {L} podemos reescrever a equação do lagrangiano:

{ \displaystyle \dfrac{\partial (K-U)}{\partial x_i}-\dfrac{d}{dt}\dfrac{\partial (K-U)}{\partial \dot{x}_i}=0}

Uma vez que a nossa análise não depende do conjunto de coordenadas utilizado vamos escolher trabalhar com coordenadas rectangulares pois são matematicamente mais cómodas. Assim temos { {K=K(\dot{x}_i}} e { {U=U(x)}}. Uma vez que é { {\dfrac{\partial T}{\partial x_i}=0}} e { {\dfrac{\partial U}{\partial \dot{x}_i}}} vem que { {-\dfrac{\partial U}{\partial \dot{x}_i}=\dfrac{d}{dt}\dfrac{\partial T}{\partial \dot{x}_i}}}. Para um sistema conservativo temos { {-\dfrac{\partial U}{\partial \dot{x}_i}=F_i}}.

Logo para { {F_i=\dfrac{d}{dt}\dfrac{\partial T}{\partial \dot{x}_i}}} é válido

{ {\begin{aligned} \dfrac{d}{dt}\dfrac{\partial T}{\partial \dot{x}_i} &= \dfrac{d}{dt}\dfrac{\partial \sum_j(1/2m\dot{x}_j^2)}{\partial \dot{x}_i} \\ &= \dfrac{d}{dt}(m\dot{x}_i) \\ &= \dot{P}_i \end{aligned}}}

Assim é { {F_i=\dot{P}_i}} que é a Segunda Lei de Newton (Segundo Axioma ou Segundo Postulado de Newton seriam nomes mais correctos…). No formalismo newtoniano da Mecânica Clássica o que dita a dinâmica de uma partícula é a segunda Lei de Newton, assim sendo acabámos de demonstrar que ambas as formulações são equivalentes.

— 17. Introdução à Simetria —

O leitor certamente notou no último exemplo que a ausência de uma coordenada generalizada no lagrangiano de um sistema implicaca a conservação de um momento (seja ele linear ou angular). Estas coordenadas que não aparecem no lagrangiano recebem o nome de coordenadas cíclicas.

Obviamente que a presença ou ausência de coordenadas cíclicas num lagrangiano depende da escolha de coordenadas. No entanto o facto de um momento ser conservado ou não, não pode depender da escolha do conjunto de coordenadas que se faz. Uma vez que a escolha acertada do conjunto de coordenadas nos permite revelar a simetria que os sistema exibe podemos concluir que que simetria e quantidades conservadas estão intimamente ligadas.

Nesta secção vamos entender por que motivo considerações de simetria são tão importantes na Física contemporânea e qual é a relação entre simetria e as leis de conservação.

Se um sistema exibe um qualquer tipo de simetria contínua então esta simetria irá sempre manifestar-se na forma de uma quantidade que se conserva. A demonstração matemática deste teorema (e as suas múltiplas generalizações) é o Teorema de Noether, mas não nos vamos debruçar sobre a demonstração neste texto. Ao invés vamos somente entender as consequências de três tipos de simetria contínua e o estudante interessado pode consultar os seguintes links para aprofundar o seu conhecimento mais teórico sobre este teorema:

— 17.1. Simetria contínua para translações no tempo —

Como sabemos da Mecânica Clássica um referencial diz-se inercial se o tempo é homogéneo. Quando dizemos que o tempo é homogéneo estamos a dizer que podemos fazer uma translação contínua ( formalmente dizemos { {t \rightarrow t+\delta t}}) no tempo e que as características mecânicas não sofrerão alterações.

Seja { {L}} o lagrangiano de um sistema isolado. Uma vez que o sistema é isolado sabemos que as suas características mecânicas deverão permanecer invariantes no tempo. Isto é equivalente a dizermos que o seu lagrangiano não depende do tempo

\displaystyle {\dfrac{\partial L}{\partial t}=0}

Assim a derivada total é

\displaystyle  \displaystyle \frac{dL}{dt}= \sum_j \frac{\partial L}{\partial q_j}\dot{q}_j+ \sum_j \frac{\partial L}{\partial \dot{q}_j}\ddot{q}_j

Usando a equação de Euler-Lagrange 18 para coordenadas generalizadas fica:

{ {\begin{aligned} \frac{dL}{dt} &= \sum_j \dot{q}_j\frac{d}{dt}\frac{\partial L}{\partial \dot{q}_j}+ \sum_j \frac{\partial L}{\partial \dot{q}_j}\ddot{q}_j \Rightarrow \\ &\Rightarrow \frac{dL}{dt}-\sum_j\frac{d}{dt}\left( \dot{q}_j\frac{\partial L}{\partial \dot{q}_j} \right)= 0 \\ &\Rightarrow \frac{d}{dt} \left( L-\sum_j\dot{q}_j\frac{\partial L}{\partial \dot{q}_j}\right)=0 \end{aligned}}}

Ou seja

\displaystyle   \displaystyle L-\sum_j\dot{q}_j\dfrac{\partial L}{\partial \dot{q}_j}=-H \ \ \ \ \ (19)

Onde { {-H}} (o porquê de termos um sinal { {-}} será evidente dentro de momentos) é uma constante.

Vamos admitir que { {U=U(x_{\alpha,i})}} e { {x_{\alpha,i}=x_{\alpha,i}(q_j)}}. Então é { {U=U(q_j)}} e { {\dfrac{\partial U}{\partial \dot{q}_j}=0}}. Logo { {\dfrac{\partial L}{\partial \dot{q}_j}=\dfrac{\partial (K-U)}{\partial \dot{q}_j}=\dfrac{\partial K}{\partial \dot{q}_j}}}

Então podemos escrever a equação 19 na forma

\displaystyle  {\displaystyle (K-U)-\sum_j\dot{q}_j\dfrac{\partial K}{\partial \dot{q}_j}=-H}

Donde vem que { {K+U=H}}.

A função { {H}} é o Hamiltoniano do sistema e a sua definição é dada pela equação 19.

Para além disso podemos identificar o Hamiltoniano com a energia total de um sistema quando as seguintes condições são respeitadas:

  1. As equações para as transformações de coordenadas são independentes do tempo. Isto implica que a energia cinética é uma função quadrática homogénea em { {\dot{q}_j}}
  2. A energia potencial não depende da velocidade. Desse modo os termos { {\dfrac{\partial U}{\partial \dot{q}_j}}} podem ser eliminados

— 17.2. Simetria contínua para translações no espaço —

Sabemos também da Mecânica Clássica que para um referencial inercial o espaço é homogéneo. Quer isto dizer que todos os pontos do espaço são equivalentes e como tal o lagrangiano é invariante para translações no espaço. Formalmente escrevemos { {\delta L=0}} para { {\vec{r}_\alpha \rightarrow \vec{r}_\alpha+\delta\vec{r}}}.

Sem perda de generalidade vamos somente considerar uma partícula. Neste caso é { {L=L(x_i),\dot{x_i}}} e { {\displaystyle \delta \vec{r} = \sum_i\delta x_i \vec{e}_i}}. Calculando a variação em { {L}} devido a { {\delta \vec{r}}} é

\displaystyle  \displaystyle \delta L = \sum_i \frac{\partial L}{\partial x_i}\delta x_i + \sum_i\frac{\partial L}{\partial \dot{x}_i}\delta \dot{x}_i=0

Ora { {\delta x_i=\delta\dfrac{dx_i}{dt}=\frac{d}{dt}\delta x_i=0}} e a expressão para a variação fica

\displaystyle  \displaystyle \delta L = \sum_i \frac{\partial L}{\partial x_i}\delta x_i=0

Para a expressão anterior ser identicamente nula temos que ter { {\dfrac{\partial L}{\partial x_i}=0}}, uma vez que { {\delta x_i}} são variações arbitrárias.

De acordo com a Equação de Euler-Lagrange 18 temos { {\dfrac{\partial L}{\partial \dot{x}_i}=c}}.

Logo é

{ {\begin{aligned} \frac{\partial (K-U)}{\partial \dot{x}_i} &= \frac{\partial K}{\partial\dot{x}_i}\\ &= \frac{\partial}{\partial \dot{x}_i}\left( 1/2m\sum_j\dot{x}_j^2 \right) \\ &= m\dot{x}_i \\ &= P_i \end{aligned}}}

Assim a homogeneidade do espaço para translações implica a conservação do momento linear para um sistema isolado.

— 17.3. Simetria contínua para rotações no espaço —

Sabemos também da Mecânica Clássica que para um referencial inercial o espaço é isotrópico. Quando dizemos que o espaço é isotrópico estamos a dizer que não existem direcções privilegiadas. Ora isto quer dizer que o lagrangiano é invariante para rotações no espaço: { {\delta L=0}} para { {\vec{r}_\alpha \rightarrow \vec{r}_\alpha+\delta\vec{r}}} onde { {\delta\vec{r}=\delta \vec{\theta} \times \vec{r}}}.

Considerando novamente uma só partícula sabemos que é { {\delta\vec{\dot{r}}=\delta \vec{\theta} \times \vec{\dot{r}}}}

Para além disso também é

{ \displaystyle \delta L = \sum_i \frac{\partial L}{\partial x_i}\delta x_i + \sum_i\frac{\partial L}{\partial \dot{x}_i}\delta \dot{x}_i=0}

De { {p_i=\dfrac{\partial L}{\partial \dot{x}_i}}} e { {\dot{p}_i=\dfrac{\partial L}{\partial x_i}}} segue que

{ {\begin{aligned} \delta L &= \sum_i\dot{p}_i\delta x_i+ \sum_i p_i\delta\dot{x}_i\\ &= \dot{\vec{p}}\cdot\delta\vec{r}+ \vec{p}\cdot\delta\dot{\vec{r}} \\ &= \dot{\vec{p}}\cdot(\delta \vec{\theta} \times \vec{r})+ \vec{p}\cdot(\delta \vec{\theta} \times \dot{\vec{r}}) \\ &= \delta\vec{\theta}\cdot(\vec{r}\times\dot{\vec{p}}) + \delta\vec{\theta}\cdot(\dot{\vec{r}}\times\vec{p})\\ &= \delta\vec{\theta}\cdot (\vec{r}\times\dot{\vec{p}} + \dot{\vec{r}}\times\vec{p}) \end{aligned}}}

Uma vez que

\displaystyle  {\delta\vec{\theta}\cdot (\vec{r}\times\dot{\vec{p}} + \dot{\vec{r}}\times\vec{p})=\delta\vec{\theta}\cdot\dfrac{d}{dt}(\vec{r}\times\vec{p})}

e { {\delta L=0}}, segue { {\delta\vec{\theta}\cdot\dfrac{d}{dt}(\vec{r}\times\vec{p})=0}}.

Uma vez que { {\delta\vec{\theta}}} é um vector arbitrário segue que { {\dfrac{d}{dt}(\vec{r}\times\vec{p})=0}}. Logo { {\vec{r}\times\vec{p}}} é constante.

Em conclusão podemos dizer que a isotropia do espaço implica a conservação do momento angular. Outro resultado importante é que sempre que um sistema mecânico exibe um eixo de simetria o momento angular em torno desse eixo é uma quantidade conservada.

— 18. Dinâmica Hamiltoniana —

Como já vimos, se a energia potencial de um sistema não depende da velocidade então { {p_i=\dfrac{\partial L}{\partial \dot{x}_i}}}. Consequentemente podemos definir

Definição 7

Num sistema descrito por coordenadas generalizadas { {q_j}} o momento generalizado é definido pela seguinte expressão:

\displaystyle   p_j=\frac{\partial L}{\partial \dot{q}_j} \ \ \ \ \ (20)

Como consequência da definição anterior temos { {\dot{p}_j=\frac{\partial L}{\partial q_j}}}.

E podemos escrever o Hamiltoniano como uma transformada de Legendre do Lagrangiano

\displaystyle   H=\sum_j p_j\dot{q}_j-L \ \ \ \ \ (21)

Uma vez que { {\dot{q}_j=\dot{q}_j(q_k,p_k,t)}} a equação 21 pode ser escrita na forma

\displaystyle   H(q_k,p_k,t)=\sum_j p_j\dot{q}_j-L(q_k,\dot{q}_k,t) \ \ \ \ \ (22)

Assim temos { {H=H(q_k,p_k,t)}} e { {L=L(q_k,\dot{q}_k,t)}}. O diferencial de { {H}} é

\displaystyle   dH=\sum_k\left( \frac{\partial H}{\partial q_k}dq_k+\frac{\partial H}{\partial p_k}dp_k \right) + \frac{\partial H}{\partial t}dt \ \ \ \ \ (23)

Calculando { {\dfrac{\partial H}{\partial q_k}}} e { {\dfrac{\partial H}{\partial p_k}}} via 22 e substituindo em 23 é

\displaystyle   dH=\sum_k (\dot{q}_kdp_k-\dot{p}_kdq_k)-\frac{\partial L}{\partial t}dt \ \ \ \ \ (24)

Igualando os coeficientes de { {dq_k}}, { {dt_k}} e { {dt}} vem:

\displaystyle   \dot{q}_k=\frac{\partial H}{\partial p_k} \ \ \ \ \ (25)

e

\displaystyle   -\dot{p}=\frac{\partial H}{\partial q_k} \ \ \ \ \ (26)

Que são as equações canónicas de movimento. Quando usamos estas equações para estudar a evolução temporal de um sistema estamos a usar a Mecânica Hamiltoniana.

Temos { {-\dfrac{\partial L}{\partial t}=\dfrac{\partial H}{\partial t}}}. Para além disso temos também { {\dfrac{dH}{dt}=\dfrac{\partial H}{\partial t}}} o que implica que a função hamiltoniana não depende explicitamente de { {t}}. Logo { {H}} é uma quantidade conservada.

Exemplo 7

Uma partícula de massa { {m}} move-se na superfície de um cilindro sujeita a uma força que aponta para o centro do cilindro (a origem do nosso referencial) e é proporcional à distância entre a partícula e a origem. Faça um estudo da Dinâmica Hamiltoniana deste sistema.

De { {\vec{F}=-k\vec{r}}} vem que { {U=1/2kr^2=1/2k(R^2+z^2)}}.

Para a velocidade temos { {v^2=\dot{r}^2+r^2\dot{\theta}^2+\dot{z}^2}}. Uma vez que { {r=R}} é constante vem { {K=1/2m(R^2\dot{\theta}^2+\dot{z}^2)}}

Assim o lagrangiano é { {L=1/2m(R^2\dot{\theta}^2+\dot{z}^2)-1/2k(R^2+z^2)}}. As coordenadas generalizadas são { {\theta}} e { {z}}. Os momentos generalizados são:

\displaystyle p_\theta=\frac{\partial L}{\partial \dot{\theta}}=mR^2\dot{\theta}

and

\displaystyle p_z=\frac{\partial L}{\partial \dot{z}}=m\dot{z}

Uma vez que este sistema é conservativo e as equações de transformações de coordenadas não dependem do tempo { {H}} é a energia total do sistema e é uma função de { {\theta}}, { {p_\theta}}, { {z}} e { {p_z}}. Mas { {\theta}} não aparece no lagrangiano (é uma coordenada cíclica).

\displaystyle  H(z,p_\theta,p_z)=K+U= \frac{p_\theta^2}{2mR^2}+\frac{p_z^2}{2m} +1/2kz^2

As equações de movimento são:

  • { \displaystyle \dot{p}_\theta=-\frac{\partial H}{\partial \theta}=0 }
  • { \displaystyle \dot{p}_z=-\frac{\partial H}{\partial z}=-kz }
  • { \displaystyle \dot{\theta}=\frac{\partial H}{\partial p_\theta}=\frac{p_\theta}{mR^2} }
  • { \displaystyle \dot{z}=\frac{\partial H}{\partial p_z}=\frac{p_z}{m} }

Das relações anteriores vemos que o momento angular em torno de { {z}} é constante: { {p_\theta=mR^2\dot{\theta}}}. O que é equivalente a dizermos que { {z}} é um eixo de simetria do sistema.

Também temos { {m\ddot{z}=-kz\Rightarrow m \ddot{z}+kz=0\Rightarrow \ddot{z}+k/mz=0\Rightarrow\ddot{z}+\omega_0^2}} com { {\omega_0^2=k/m}}. O que quer dizer que a partícula tem um movimento harmónico ao longo do eixo { {z}}.

Para finalizar o nosso tratamento da Mecânica Clássica vamos só fazer um breve sumário da Dinâmica Lagrangiana e da Dinâmica Hamiltoniana:

  1. As coordenadas generalizadas e os respectivos momentos generalizados dizem-se coordenadas canónicas.
  2. Coordenadas que não aparecem explicitamente em { {K}} e { {U}} dizem-se coordenadas cíclicas.
  3. Uma coordenada que é cíclica implica sempre a existência de um momento generalizado conservado assim como um eixo de simetria.
  4. Simetrias de uma sistema estão sempre ligadas a uma lei de conservação


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