Luso Academia

Início » 04 Ensino Superior » 02 Física » Análise Matemática – Limites e Continuidade III

Análise Matemática – Limites e Continuidade III

O conceito de limite é um conceito local.

Em linguagem matemática quando dizemos que o conceito de limite é local estamos a dizer que para uma função ter um limite num dado ponto, {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} f(x) = a}, não interessa como é que a função se comporta quando estamos longe do ponto em questão. O que interessa é como a função se comporta quando estamos na vizinhança do ponto.

A linguagem que estamos a usar até pode ser satisfatória para o dia-a-dia, mas para os padrões de rigor da Matemática deixa muito a desejar.

O que nós, de facto, estamos a fazer com o conceito de limite é formalizar o que queremos dizer quando usamos expressões como longe e na vizinhança.

Como exemplo, vamos introduzir a função

\displaystyle f(x) = \begin{cases} o \quad x \in \mathbb{Q}\\ x \quad x \in \mathbb{R}\setminus \mathbb{Q} \end{cases}

Esta função não é das mais sofisticadas, mas é o suficiente para a ideia que queremos passar.

Antes de mais vamos representar graficamente esta função para termos uma visualização do seu comportamento:

Onde representámos {x \in \mathbb{Q}} com a cor azul e {x \in \mathbb{R}\setminus \mathbb{Q}} a vermelho.

É fácil ver que para todos os pontos {c} diferentes de {0} a função não tem limite.

Para {c \neq 0} { \displaystyle \lim_{x \in \mathbb{Q} \rightarrow c} f(x) = 0 } e { \displaystyle\lim_{x \in \mathbb{R}\setminus \mathbb{Q}\rightarrow c} f(x) = c }. Logo { \displaystyle \lim_{x \in \mathbb{Q} \rightarrow c} f(x) \neq \lim_{x \in \mathbb{R}\setminus \mathbb{Q}\rightarrow c} f(x)}, e assim podemos concluir que este limite não existe.

Para {c=0} é possível mostrar (faremos isso quando o conceito de limite for formalizado usando a condição { \epsilon-\delta }) que { \displaystyle \lim_{x \rightarrow 0} f(x) = 0}.

Quase que apetece dizer que “Não se pode ser mais local do que isto! Esta função só tem limite no ponto {x=0}!”.

De uma forma intuitiva podemos entender este resultado da seguinte forma. O conceito de limite basicamente expressa o quão bem-comportada uma função é. Uma vez que esta função está sempre a saltar de ponto para ponto dependendo se estamos numa ordenada racional ou numa ordenada irracional podemos dizer que esta função é malcomportada.

A asserção anterior é verdadeira em quase todo o domínio da função. O único ponto em que ela deixa de ser aplicável é em {x=0}.

Isto é assim porque embora a função seja malcomportada ela é cada vez menos malcomportada à medida que nos aproximamos da origem.

Teorema 32

Seja {D \subset \mathbb{R} }, {f,g : D \rightarrow \mathbb{R}}, {c \in D^\prime} e {r > 0} tal que

\displaystyle f(x) \leq g(x)\, \forall x \in V(c,r) \cap \left( D \setminus \left\lbrace c\right\rbrace \right)

Se {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} f(x)= +\infty } então também é {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} g(x)= +\infty }. Se {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} g(x)= -\infty } então também é {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} f(x)= -\infty }

Demonstração: Demonstração omitida. \Box

Tal como noutros casos que já vimos o teorema anterior expressa um facto bastante prosaico, mas, tal como nos outros casos, aqui o que interessa é vermos que podemos demonstrar estas asserções rigorosamente.

O que devemos reter deste teorema é que ele nos permite saber o resultado do limite algumas funções sem termos que calcular o limite.

Teorema 33 (Teorema da função enquadrada)

Seja {D \subset \mathbb{R} }, {f,g : D \rightarrow \mathbb{R}}, {c \in D^\prime} e {r > 0} tal que {g(x) \leq f(x) \leq h(x)\quad \forall x \in V(c,r) \cap D \setminus \left\lbrace c \right\rbrace }. Se {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} g(x) = \lim_{x \rightarrow c} h(x) = a } também é {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} f(x) = a}.

Demonstração: Demonstração omitida. \Box

E temos mais um teorema que continua a tendência de possibilitar que saibamos o limite de funções sem termos que o calcular!

Como exemplo vamos ver o limite:

\displaystyle \lim_{x \rightarrow +\infty} \frac{\sin x}{x}

Temos

\displaystyle -1 \leq \sin x \leq 1 \quad \forall x \in \mathbb{R}

Logo

\displaystyle \displaystyle -\frac{1}{x} \leq \frac{\sin x}{x} \leq \frac{1}{x} \quad \forall x > 0

Uma vez que é {\displaystyle \lim_{x \rightarrow +\infty}-\frac{1}{x}=\lim_{x \rightarrow +\infty}\frac{1}{x}= 0} vem que {\displaystyle \lim_{x \rightarrow +\infty}-\frac{\sin x}{x}=0}.

Como segundo exemplo vamos olhar para:

\displaystyle \lim_{x \rightarrow 0} \frac{\sin x}{x}

Uma vez que

\displaystyle \displaystyle \cos x < \frac{\sin x}{x} < 1\quad \forall x \in \left] -\frac{\pi}{2},0 \right[ \cup \left] 0,\frac{\pi}{2}\right[

Temos {\displaystyle \lim_{x \rightarrow 0}1=1} e {\displaystyle \lim_{x \rightarrow 0} \cos x = \cos 0 = 1}. Assim também é {\displaystyle \lim_{x \rightarrow 0} \frac{\sin x}{x}=1}

— 4.5. Propriedades algébricas dos limites de funções —

Tal como fizemos para as sucessões vamos agora enunciar algumas regras algébricas que nos permitem calcular o limite de algumas expressões matemáticas mais complexas.

Teorema 34 (Propriedades algébricas dos limites de funções)

Seja {D \subset \mathbb{R}}; {f,g:D \rightarrow \mathbb{R}} e {c \in D^\prime}. Então:

  1. {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} f(x)=a \Rightarrow \lim_{x \rightarrow c} |f(x)|=|a|}
  2. {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} f(x)=a} e {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} g(x)=b}, então {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} \left( f(x)+g(x)\right) = a+b}
  3. Se {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} f(x) = +\infty } e {g} é minorada, então {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} (f(x)+g(x))= +\infty}
  4. Se {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} f(x) = -\infty } e {g} é minorada, então {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} (f(x)+g(x))= -\infty}
  5. Se {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} f(x) = 0 } e {g} é limitada, então {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} (f(x)g(x))= 0}
  6. Se {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} f(x) = a } e {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} g(x) = b}, então {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} (f(x)g(x))= ab}
  7. Se {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} f(x) = +\infty } e {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} g(x) = a \neq 0}, então {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} |f(x)g(x)|= +\infty}
  8. Se {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} f(x) = a \neq 0 }, então {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} 1/f(x)= 1/a}
  9. Se {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} f(x) = +\infty }, então {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} 1/f(x)= 0}
  10. Se {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} f(x) = 0 }, então {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} 1/|f(x)|= +\infty}

Demonstração:

Só vamos demonstrar a segunda proposição uma vez que o raciocínio pode ser facilmente adaptado aos outros casos.

Seja {x_n} uma sucessão em {D \setminus \left\lbrace c \right\rbrace } tal que {x_n \rightarrow c}. Então {f(x_n) \rightarrow a} e {g(x_n) \rightarrow b}. Pelo que já vimos em sucessões é {f(x_n)+g(x_n) \rightarrow a+b}.

Por definição de limite isto é {\displaystyle \lim_{x \rightarrow c} (f(x)+g(x)) = a + b}. \Box

Teorema 35 (Teorema da função Monótona)

Seja {D \subset \mathbb{R}}; {f: D \rightarrow \mathbb{R}}, { \alpha = \inf D} e { \beta = \sup D}.

Então:

  1. Se { \alpha \in D^\prime }, {\displaystyle \lim_{x \rightarrow \alpha} f(x)} existe e temos:{\displaystyle \lim_{x \rightarrow \alpha} f(x) = \mathrm{inf}f \left[ D_{\alpha^+} \right] } se {f} é crescente.

    {\displaystyle \lim_{x \rightarrow \alpha} f(x) = \mathrm{sup}f \left[ D_{\alpha^+} \right] } se {f} é decrescente.

  2. Se { \beta \in D^\prime }, {\displaystyle \lim_{x \rightarrow \beta} f(x)} existe e temos:{\displaystyle \lim_{x \rightarrow \alpha} f(x) = \mathrm{sup}f \left[ D_{\beta^-} \right] } se {f} é crescente.

    {\displaystyle \lim_{x \rightarrow \alpha} f(x) = \mathrm{inf}f \left[ D_{\beta^-} \right] } se {f} é decrescente.

Demonstração:

Não vamos dar uma demonstração formal deste resultado, mas vamos providenciar uma evidência gráfica da sua veracidade.

Como exemplo vamos tomar a função crescente:

\displaystyle f(x) = \sin x \quad \forall x \in \left] -\pi/2, \pi/2\right[

Neste caso é { \alpha = -\pi/2 } e { \beta = \pi/2 }; {\displaystyle \lim_{x \rightarrow -\pi/2} \sin x = \sin(-\pi/2)= -1}.

{ D_{\alpha^+}} representa {D\cap \left] \alpha, +\infty \right[} de tal modo que {f \left[ D_{\alpha^+} \right] } representa o transformado de {f} por { D \cap \left] \alpha, +\infty \right[ }. Isto é mesmo que dizer que {f \left[ D_{\alpha^+} \right] = \left] -1, 1 \right[ } e { \mathrm{inf}\left] -1, 1 \right[=-1 } como já havíamos visto ao calcular o limite.

De uma forma semelhante também podemos verificar que {\displaystyle \lim_{x \rightarrow \pi/2} \sin x = \sin(\pi/2)= f \left[ D_{\beta^-} \right]}

Para a função decrescente, {f(x)= \cos x \quad \forall x \in ]0,\pi[}, ambos os passos devem ser executados pelo leitor.

\Box


1 Comentário

  1. […] Análise Matemática – Limites e Continuidade III […]

    Gostar

Deixe um comentário

Preencha os seus detalhes abaixo ou clique num ícone para iniciar sessão:

Logótipo da WordPress.com

Está a comentar usando a sua conta WordPress.com Terminar Sessão /  Alterar )

Imagem do Twitter

Está a comentar usando a sua conta Twitter Terminar Sessão /  Alterar )

Facebook photo

Está a comentar usando a sua conta Facebook Terminar Sessão /  Alterar )

Connecting to %s

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.

%d bloggers gostam disto: