— 2. Conjuntos Indutivos —
Depois de provar que vimos que poderíamos construir os números naturais de acordo com o seguinte procedimento;
e definir
e definir
- …
Seguindo esta linha de pensamento poderíamos definir os números naturais, mas é claro que este método seria tudo menos rigoroso e neste momento nós estamos interessados em ter bases matemáticas rigorosas.
De forma a introduzir os números naturais de uma forma mais rigorosa primeiro devemos definir o que é um conjunto indutivo.
Definição 9 |
Como um exemplo de um conjunto indutivo temos .
Uma coisa importante a notar é que uma interseção de um número (mesmo um número infinito) de conjuntos indutivos tem como resultado um conjunto indutivo (a demonstração deste facto fica como um exercício para o leitor).
Vamos agora considerar o conjunto de todos os conjuntos indutivos que contêm o elemento . A intersecção de todos esses conjuntos é um conjunto indutivo, que contém
. Vamos definir este novo conjunto como sendo o conjunto dos números naturais e denotá-lo que por
.
Definição 10 Seja |
A partir desta abordagem podemos deduzir uma série de propriedades dos números naturais à semelhança do que fizemos para os números reais.
— 2.1. Axiomas de Peano —
— 2.1.1. Introdução ao Axiomas de Peano —
Outra maneira de abordar esta questão é construir os números naturais de uma forma axiomática. Os axiomas mais utilizados são os Axiomas de Peano e neles os conceitos primitivos são números naturais, zero, e sucessor:
— 2.1.2. Axiomas de Peano —
Axioma 9
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Axioma 10
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Axioma 11
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Axioma 12
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Axioma 13
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Axioma 14 |
Axioma 15 |
Axioma 16 |
Axioma 17 Seja |
Os axiomas anteriores definem a relação de igualdade como sendo reflexiva, simétrica e transitiva em (axiomas 9, 10 e 11 respectivamente).
O Axioma 12 estabelece que o conjunto de números naturais é fechado relativamente à operação de igualdade. O Axioma 15 estabelece como sendo o primeiro número natural. Relativamente ao axioma 16 iremos entender melhor o que é uma aplicação injectiva quando começarmos a publicar material sobre Álgebra Linear.
O último Axioma é muitas vezes chamado na literatura como o princípio da indução finita. Ele serve como base de um método muito poderoso de provar declarações sobre .
— 2.1.3. Método da Indução Finita —
Este método é chamado o método de indução finita e o seu procedimento é: Suponhamos que queremos provar alguma condição, , que é suposto ser válida sempre que
é um número natural. O método de indução finita diz-nos que não precisamos de provar a validade de
para todos os casos individualmente. O que temos de provar é:
é uma condição verdadeira. Estritamente falando não precisamos de começar com
, mas sim com o primeiro número natural,
, que faça com que a proposição que pretendemos demonstrar é verdadeira. Este caso é chamado do caso base.
. Traduzindo para uma linguagem mais simples: Sempre que a condição é válida para um determinado número natural ela também é válida para o seu sucessor. O facto de assumirmos que
é válida para um certo
tem o nome de hipótese indutiva.E esta é a declaração formal do método de indução finita, mas talvez seja melhor fornecermos uma imagem mental que explana o espírito deste método.
Vamos supor que o nosso objetivo é provar uma determinada condição para todos os números naturais. Primeiro de tudo temos de provar que a condição é válida para
. Depois de fazermos isso, temos de provar que sempre que a condição é válida para um determinado número natural também é válida para o número natural que se lhe segue.
Deste modo acabamos de provar que a condição é válida para todos os números naturais. “E porquê?” alguns dos leitores podem perguntar. Bem em primeiro lugar nós provamos que a proposição é verdadeira para
e em segundo lugar provamos que sempre que a proposição é verdadeira para um número natural teria de ser verdadeira para seu sucessor também. Ou seja depois de sabermos que a condição é válida para
ficamos a saber que também é válida para
. Mas agora, pelo segundo passo também é válida para
! Mas agora, novamente pelo segundo passo também é válida para
! Mas agora, pelo segundo passo também vale para 4
! e assim por diante…
Como já é nosso hábito, vamos agora dar um exemplo de forma a quebrar um pouco a nossa cadeia de abstracção
Proposição 12 A soma dos primeiros números naturais pode calcular-se usando a seguinte expressão:
Demonstração: Vamos usar o método da Indução Finita para demonstrar a igualdade proposta. Vamos em primeiro lugar provar que é válida para
, o nosso caso base.
O lado esquerdo dessa igualdade é uma soma com apenas um número e assim fica
que é uma afirmação verdadeira. A primeira etapa está concluída e é hora de darmos o salto indutivo.
O que precisamos agora é de provar é que, se
é válida,necessariamente
também é válida. Prestem atenção para o facto de agora estarmos a assumir que
é uma proposição válida para
e o que pretendemos provar é que a veracidade de
segue.
(Peço desculpa por estar a ser repetitivo, mas partindo da minha experiência, a maioria das pessoas acaba por não entender o método de indução finita e porque/como ele funciona devido a não entender a verdadeira natureza deste passo crucial e acabam por somente aplicar mecanicamente o método para conseguirem passar no exame.)
Agora vamos supor que
para um certo
e queremos provar que
se segue. O fato de assumirmos que
é verdade para um certo
não é ridículo porque sabemos um
para o qual a proposição é válida:
.
Onde a última igualdade é válida pela hipótese indutiva. Continuando:
Portanto, ao assumir a validade de
para
fomos capazes de provar a validade de
, que é o resultado esperado.
Assim
é válida para todos os
.
O Método da Indução Finita de facto é um método poderoso, mas eu sempre fico um pouco insatisfeito com ele.
Sim, nós podemos provar a veracidade de uma proposição, mas nós não conseguimos entender por que tal proposição é verdadeira. E isso sempre me faz pensar como foi que o primeiro matemático (ou matemática) foi capaz de discernir sobre a validade de tal proposição.
De qualquer modo, vamos ver uma prova diferente da proposição anterior, que permite compreender por que razão a fórmula da soma é como é.
por outro lado
Somando ambas as equações termo a termo obtemos
Que é uma soma com com
termos, sendo que todos eles são iguais a
. Ora a soma de
termos iguais é o que nós conhecemos como uma multiplicação.
por isso temos
.
Com esta demonstração nós conseguimos entender de onde vem o factor
, de onde vem o factor
e porque temos que dividir por
.
Com este artigo damos por terminado a nossa introdução à Análise Real e a partir do próximo artigo vamos começar a tratar propriamente da Análise Real, e vamos fazê-lo recorrendo à sucessões.